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Algumas notas esparsas sobre o Prós & Contras de ontem

por Francisco Mendes da Silva, em 17.02.09
1.
Artigo 13.º
Princípio da igualdade

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Só se pode defender que a obrigatoriedade da introdução na lei ordinária da figura do casamento entre pessoas do mesmo sexo resulta directamente da parte final da actual redacção do n.º 2 do artigo 13º da Constituição se se considerar que o casamento serve (também) para o desenvolvimento e consumação da sexualidade - e que, portanto, ao Estado interessa saber a propósito de que género humano o sangue me corre tão frequente e intensamente para baixo. Se a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo é um problema de discriminação de pessoas em função da sua orientação sexual, então como resolver a impossibilidade legal de dois heterossexuais do mesmo sexo se poderem casar? A bem de um genuíno interesse intelectual na discussão, admito que a discriminação seja (ou, pelo menos, devesse ser) inconstitucional. Mas não me parece, de todo, que o seja por aqui.

 

2. Seria de uma honestidade intelectual básica que se reconhecesse sem preconceitos que o casamento existe, de facto, por causa da procriação. É verdade que ninguém é obrigado a ter filhos, que há casais que não querem e/ou não os podem ter e que o conceito de família actual é verdadeiramente plural. Mas, para sanidade e veracidade do common ground discursivo, seria bom que se aceitasse como dado incontestável que a instituição só surgiu para enquadrar religiosa, sociológica e legalmente a célula social mais eficaz e idónea à sobrevivência, estabilidade e reprodução da espécie humana.

 

Posto isto, o que se deve discutir é se isso é impedimento suficiente a que o Estado legisle no sentido de o conceito civil de casamento abranger a união entre duas pessoas do mesmo sexo. E, em boa verdade, os defensores do "não" ainda não conseguiram, quanto a este aspecto, afinar decisivamente o argumentário. É que a óbvia infertilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo em nada vai alterar os níveis de fertilidade da sociedade. Não se trata de proibir o casamento entre pessoas de sexo diferente, e não parece que, caso fosse aprovada a alteração legislativa, se viesse a verificar uma significativa destruição de lares por causa de homessexuais que se casaram com mulheres por auto-repressão da sua orientação. Não há, portanto, o risco de a Humanidade enfrentar a tragédia da sua auto-destruição.

 

3. Sobra, no entanto, a questão do nome e da simbologia. É, em grande medida, um problema do Direito a que sou bastante sensível. Deve atribuir-se a uma determinada realidade (contratual) a qualificação jurídica dada a uma outra realidade que é diferente por natureza? Ou o elemento que torna essas duas realidades diferentes não é um elemento essencial da qualificação e deve, pura e simplesmente, ser abandonado? Tendo a pensar que o elemento "qualitativo" da noção de casamento (pessoas de sexo diferente) é um elemento fundamental do conceito (a interpretação histórica é, nesta caso, imbatível). O problema é que também tendo a defender que a união entre duas pessoas do mesmo sexo deve poder beneficiar de uma protecção legal similar à da união entre pessoas de sexo diferente. É um imbróglio intelectual que tem sido resolvido noutras paragens com a adopção da figura da "união civil". Mas aqui estamos perante um debate inócuo, em que as duas partes se entendem quanto aos aspectos práticos (pelo menos quanto à maioria), mas não quanto a um só aspecto formal: o nome de um contrato.

 

Claro que, como bem disse Miguel Vale de Almeida, a simbologia é muito importante. É-o para os homessexuais, que com a "união civil" se poderão sentir como "casados de segunda". É-o para alguns activistas que andam nisto fundamentalmente por motivos de destruição iconoclasta da sociedade burguesa e das suas instituições. E é-o também, obviamente, para os católicos, cuja existência quotidiana depende dos símbolos e dos rituais pelos quais experimentam o contacto com a Divindade e preparam a eternidade. De qualquer modo, a simbologia é importante do ponto e vista do debate antropológico, sociológico ou filosófico que pode, de facto, enquadrar o debate político. Sendo este último um debate em torno, essencialmente, de consequências práticas, a simbologia há-de-lhe ser relativamente indiferente. E, desta forma, parece-me que, chegados ao ponto em que apenas discordamos no nome a dar ao regime da união entre pessoas do mesmo sexo, muito pouco há a discutir com interesse político. Assim aconteceu, de resto, em Inglaterra, onde o debate se esvaziou com a adopção da "união civil".

 

4. Os apoiantes do "não" são acusados de utilizarem argumentos "absurdos" para ilustrarem a naturalidade de algumas discriminações, como o da proibição do casamento incestuoso. Mas, como qualquer aluno de matemática ou filosofia saberá, a "redução ao absurdo" é um argumento clássico e frequente em qualquer discussão de ideias. É perfeitamente aceitável combater intelectualmente os fundamentos de uma determinada ideia argumentando com as consequências últimas a que o recurso a esses fundamentos conduz.

 

Esqueçamos o casamento incestuoso (não o exemplo mais feliz) e vejamos a coisa por esta perspectiva: entre os elementos da definição legal de casamento, contam-se um elemento "quantitativo" (duas pessoas) e um elemento "qualitativo" (de sexo diferente). Do ponto de vista histórico e estritamente legal, os dois elementos têm a mesma exacta importância. Pelo que o argumentário liberal a favor da alteração do elemento "qualitativo" tem obrigatoriamente de servir para a alteração do elemento "quantitativo". Terão tanto direito à tutela da sua vontade livre dois homens que se querem casar como uma mulher e dois homens que se querem casar entre si. E não se diga que a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo é socialmente mais oportuna e premente. Será, seguramente, um "tabu" menor. Mas sinceramente não sei se não serão mais os infelizes por não poderem casar com mais de uma pessoa do que os que não podem casar com uma pessoa do mesmo sexo. Não sei se não haverá vidas vividas de modo mais "indignificante" por não ser permitido a três ou mais pessoas unirem-se, com consentimento de todas, em matrimónio.

 

5. O "sim" parte de uma ilusão de superioridade civilizacional absolutamente inaceitável, visível desde logo na arrogância intelectual com que muitos dos seus representantes encaram o debate. A candura condescendente com que Fernanda Câncio se mostra surpreendida com a alegada estupidez dos outros já seria sempre perfeitamente deslocada e desnecessária num debate sério, mas a pose e a disposição de Isabel Moreira entram directamente para o passeio da fama da comédia televisiva portuguesa. Aquele permanente arzinho de nojo aristocrático, aquele dedinho intolerante em riste, aqueles gritinhos histéricos. Valeu Vale de Almeida, o mais sereno e o mais convincente. Um verdadeiro cavalheiro, daqueles que gostam de discutir e convencer, e não de gritar e impor. 


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De ... a 17.02.2009 às 20:20

Que perda de tempo a sua, ao ter ido fazer figura de ignorante, enquanto devia estar em casa a acarinhar os seus filhos, ou a sua mulher, se é que os tem.

Saudações Anormais a um anormal que me critica ;)

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