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Eis a república (II)

por Jacinto Bettencourt, em 04.02.08

Confirmando a minha suspeita, vemos, neste republicano, aquilo que move as comemorações do centenário da república: não se pretende discutir o que é ou  aquilo que o país deve ser, nem sequer  ponderar as realizações de um século de república; o problema, aquilo que o afecta, são os condes, os fidalgos, as ascendências nobres (seja lá o que isso for) e aquilo que certos e determinados republicanos e videntes, imediatamente associam à república (como se esta não tivesse recebido o apoio de condes e fidalgos; como se muitos outros, que o não são ou eram, não tivessem marcado a história dos movimentos monárquicos). Para republicanos deste calibre, o problema da igualdade resume-se ao prefixo nobiliárquico de alguns; a desigualdade, a degradação, a decadência que os privilegiados da república impuseram a Portugal, não gera preocupação. A maior realização da república, a que importa reter, foi, aliás, a extinção temporária de títulos nobiliárquicos -- cujo uso acabou reabilitado e é hoje protegido pelas leis da república (até nisto foram incompetentes). Que enorme desígnio, portanto, não ter condes como o têm, por exemplo, os pobres suecos, dinamarqueses, espanhois, belgas, holandeses ou ingleses (os pobres...). Mesmo que mais não façamos que fingir não ter condes hereditários para aplaudir duques vitalícios. Assim vamos, alegremente, nesta terra: Portugal é hoje um nada com uma república à volta.

 

Tem, no entanto, razão o insigne republicano quando diz que «[n]ão há uma questão de regime entre nós». Não há, de facto. E não há por uma razão simples: a monarquia não é um regime mas uma forma de governo. Daí a mais elementar constatação de que a forma de governo monárquica em nada se opõe ao regime democrático. É pena que o autor do texto, levantando uma questão mais ou menos pertinente, não saiba ou não queira, distinguir os mais elementares conceitos de ciência política. Mas talvez isso explique a incompreensão do mesmo quanto à posição de muitos monárquicos na política portuguesa -- afinal, para os monárquicos, o país está antes da esquerda e da direita.