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convidado especial - Jorge Ferreira

por Rui Castro, em 24.04.08

O medo do voto

O Governo prometeu e cumpriu fazer um amplo debate nacional sobre o tal Tratado. Já estou surdo de tanto debate, de tanto contraditório, de tanto esclarecimento. Não há memória de um debate assim. Até Teresa de Sousa, arauta da eurocracia mais ortodoxa na região sul da União se revelou a semana passada, no Público, exausta e encantada com tanta mobilização debatatória. O que fez o Governo? Encomendou um debate ao PS na Assembleia da República e distribuiu uns ministros por um punhado de salas escolhidas e audiência vasta, como o auditório do Instituto de Defesa Nacional. O país parou para ouvir e meditar. É que não está habituado a ver discutidas assim com tanta profundidade e à sua frente as matérias europeias. Antigamente era tudo secreto, tudo nas costas do povo, tudo às escondidas. Agora, não. O pessoal participa, os políticos explicam e o povo até vota. Perdão, o povo não vota. Já votou em Sócrates e chega. O povo não pode votar estas coisas porque se teme que o povo não quer esta coisa e não se podem correr riscos desnecessários. Claro que o voto no tal Tratado seria contaminado pela política interna o que é hospitalarmente inadmissível. Contaminar o voto com a política interna quando se vota um Tratado que se mete dentro da política interna seria um gravíssimo atentado à saúde pública, coisa até para se chamar a ASAE. No dia 23 há outro grande debate na Assembleia da República. O país vai parar. As rádios e as televisões farão soar as trombetas dos directos. O povo vai votar outra vez. Perdão, não é assim, quem vai votar são os representantes do povo que o povo elegeu sem saber que eles iam votar o tal Tratado. O que é apenas um pormenor. A bem dizer, na União Europeia, é a democracia que é apenas um pormenor. E Portugal é outro pormenor. Dá jeito para umas cimeiras (Sarkozy até se encantou com o sol de Lisboa quando veio aos Jerónimos porque ainda não tinha mais nada com que se encantar) e chega. 22 anos depois de terem aderido ás Comunidades Europeias os portugueses continuam a ter debates, continuam a votar, mas continuam também a comer e a calar os Tratados que lhes põem no prato. Mas dizem-nos que só podemos ser felizes assim e pronto, não se fala mais nisso.

Post Scriptum: agradeço ao Rui Castro o amável convite para escrever no 31 da Armada, a que prontamente acedi. A gente boa não se pode dizer que não e gosto de blogues onde se pratica o humor e a ironia com qualidade.

Jorge Ferreira (autor do blogue Tomar Partido)