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O casamento como um contrato

por Tiago Geraldo, em 21.08.08

Bem distante do discurso dos «afectos» - completamente despropositado e inútil* -, e sem subscrever na íntegra o regime proposto pela nova Lei do Divórcio, parece-me que o argumentário seguido por alguns defensores do veto presidencial falha nas consequências a que pode (virtualmente) conduzir.

Se devemos «tratar o casamento como um contrato», como propõem o Francisco e o Pedro Mexia, teremos de formalizá-lo o mais possível e atribuir-lhe as mesmas causas de extinção que operam nos contratos em geral (revogação, resolução, caducidade).

Se, nos termos do regime actual, o divórcio por mútuo consentimento pode ser equiparado à revogação (necessariamente bilateral), e o divórcio litigioso a uma espécie de resolução (fundada no incumprimento de deveres conjugais), em que medida se desvirtuaria a noção de casamento como «um contrato» com a supressão do divórcio litigioso e a consagração de uma nova figura - a do divórcio-ruptura -, que, no fundo, vem apenas introduzir no âmbito do casamento um equivalente próximo de outra causa geral de extinção dos contratos, a caducidade  (ainda que, no que diz respeito ao seu exercício, se continue a aproximar da resolução)?

Como diz o Francisco, posição a que adiro irrestritamente, «o conteúdo de um contrato de casamento são os deveres recíprocos [e não os «afectos»], estabelecidos, precisamente, para o desenvolvimento do que se considera uma "vida em comum"».

Ora, se o casamento se encontra essencialmente funcionalizado à prossecução de uma «vida em comum», no momento em que esse projecto de «vida em comum» se dissolve de forma irrecuperável (e há formas objectivas de o aferir), o casamento, se o quisermos «tratar como um contrato», deveria   considerar-se automaticamente extinto por caducidade, uma vez que estaria destituído de funcionalidade.

Para além disso, também não é exacta a afirmação muito difundida de que o novo regime  hoje vetado excluiria do divórcio as noções de culpa e incumprimento. A substituição do divórcio litigioso pelo divórcio-ruptura não significa que os cônjuges não devam ser responsabilizados pelo facto de terem contribuído de forma decisiva para a extinção do «contrato» a que se encontram vinculados: a violação culposa dos deveres conjugais poderá sempre ser sancionada através do instituto geral da responsabilidade civil.

 

* O post anterior foi um momento (lírico) de mera provocação.


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De Jacinto Bettencourt a 21.08.2008 às 18:05

Caro Tiago,

«... no momento em que esse projecto de «vida em comum» se dissolve de forma irrecuperável (e há formas objectivas de o aferir), o casamento, se o quisermos «tratar como um contrato», deveria considerar-se automaticamente extinto por caducidade, uma vez que estaria destituído de funcionalidade».

Não sei onde é que foste buscar desenterrar isto. Desde quando é que um desentendimento irremedíável entre as partes (conceito que sinceramente não sei interpretar fora de um lógica de «afectos», a tal que se pretende excluir: «formas objectivas de aferição» cheira-me, aqui, a mais uma quimera ideológica) num contrato conduz à caducidade do mesmo? Consegues imaginar a quantidade de contratos que caducariam em situações semelhantes?

Se queres encontrar argumentos jurídicos igualmente rebuscados, recomendo-te que o faças no contrato de sociedade -- i.e., o que sucede quando os sócios se desentendem: em certas casos, amortização ou exoneração, mas jamais a caducidade da sociedade -- ou na alteração substancial de circunstâncias (caso em que, verificados certos requisitos, uma das partes deixa de estar obrigada ao cumprimento das respectivas obrigações). E noto que, mesmo em situações em que a manutenção do casamento deixa de ser possível (imagina uma situação em que um cônjuge se encontra em coma sem que haja expectativa quanto à sua recuperação a médio prazo), o resultado não é caducidade, mas o divórcio.

Mais: se queremos ir pela lógica pura do contrato, então temos que assumir o seguinte: quem se vincula, cumpre. Se uma relação se degrada irremediavelmente, tal deve-se ou a uma alteração substancial das circunstâncias (que afecta, por exemplo, um dos cônjuges física ou psicologicamente; exemplos: um desastre incapacitante; prisão) ou a actos ou omissões imputáveis às mesmas, pois a não degradação da relação, por actos ou omissões, consubstancia um dever correlato à obrigação principal do contrato. O casamento, enquanto contrato, implica obrigações de fins, não apenas de meios. A não ser que queiras também alterar a natureza do contrato. Pensando bem: se calhar é isto mesmo...:-)

Um abraço,

Jacinto
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De Casamento a 17.03.2009 às 11:25

Notável o post, irrepreensível a resposta do do Sr. . Jacinto Bettencourt aos comentários.
Ana Silva
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De torpedo gratis a 19.10.2009 às 20:17

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De Tiago Geraldo a 21.08.2008 às 19:41

Jacinto,

Um facto do qual, objectivamente, decorra o comprometimento da possibilidade de vida em comum? Penso, por exemplo, na separação de facto por mais de três anos sem intenção de retomar a coabitação (que, aliás, constava do novo regime enquanto pressuposto do exercício do divórcio-ruptura). Forçando esse paralelo entre o casamento e um contrato em geral, que figura capaz de operar a dissolução do vínculo contratual achas que mais se aproxima daquela que se funda no comprometimento da vida em comum (lembro que este «divórcio-ruptura» também é conhecido como divórcio-constatação da ruptura da vida em comum)?
Quanto à terminologia, fiz questão de dizer que traçava um paralelo com a «caducidade», e não uma identidade absoluta (e nunca tive em vista um «mero desentendimento»). Se um contrato tem por conteúdo uma obrigação que, por qualquer razão, se torna impossível de cumprir (sem tal impossibilidade ser imputável ao devedor), o contrato extingue-se por impossibilidade objectiva.
Pensemos numa das várias «obrigações» a que estão obrigados os cônjuges: dever de coabitação. Se os cônjuges estão separados de facto por mais de 3 anos sem intenção de retomar a coabitação, não existe «possibilidade objectiva» de cumprimento desse dever. Se, nesse caso, as partes não conseguirem chegar a um acordo conducente ao divórcio por mútuo consentimento, entre o divórcio litigioso (que poderá redundar, em última instância, na negação do próprio divórcio) e o divórcio ruptura eu não tenho dúvidas em dizer qual será o regime mais razoável.
Repito, mais uma vez, que não subscrevo o novo regime na sua totalidade. A consagração pelo legislador de uma solução deste género carecerá sempre de uma ampla reforma de certos preceitos conexos com o casamento (regime patrimonial do casamento e a partilha de bens comuns).
Não é portanto a natureza do casamento que eu quero ver alterada. Quero simplesmente que se reconheça que uma equiparação formal do casamento aos contratos em geral conduz a resultados perigosos (pensando num exemplo mais caricato, imagina a possibilidade de estipulação de contratos de casamento por tempo determinado).
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De Tiago Geraldo a 21.08.2008 às 19:43

P.S.: o purismo obriga-me a corrigir: obrigações a que estão adstritos e não «obrigados».
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De Tiago Geraldo a 21.08.2008 às 19:50

«E noto que, mesmo em situações em que a manutenção do casamento deixa de ser possível (imagina uma situação em que um cônjuge se encontra em coma sem que haja expectativa quanto à sua recuperação a médio prazo), o resultado não é caducidade, mas o divórcio.»

Certíssimo. O divórcio é uma forma específica de cessação do casamento. O paralelo entre divorcio por mútuo consentimento e revogação e entre divórcio litigioso e resolução só faz sentido dentro da tal equiparação (sempre forçada, diga-se) aos contratos em geral (mais precisamente, entre a forma específica de cessação do contrato de casamento e as causas gerais de extinção dos negócios jurídicos.
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De bolao megasena a 28.10.2009 às 14:18

Hoje o casamento é exatamente isso: um contrato!
E assim como todos os contratos podem ser rescindidos a qualquer momento a partir do momento em que uma das partes não está mais satisfeita com o negócio. Infelizmente é a realidade.
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De sacolas promocionais a 28.10.2009 às 14:27

Tem gente que acha que casamento é brincadeira, fantasia, diversão, que tudo serão flores.
São responsabilidades mil!
Tem que ter muita convicção antes de entrar em compromisso assim pra toda vida. Senão ele não dura nem 1 dia.

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