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Bem distante do discurso dos «afectos» - completamente despropositado e inútil* -, e sem subscrever na íntegra o regime proposto pela nova Lei do Divórcio, parece-me que o argumentário seguido por alguns defensores do veto presidencial falha nas consequências a que pode (virtualmente) conduzir.
Se devemos «tratar o casamento como um contrato», como propõem o Francisco e o Pedro Mexia, teremos de formalizá-lo o mais possível e atribuir-lhe as mesmas causas de extinção que operam nos contratos em geral (revogação, resolução, caducidade).
Se, nos termos do regime actual, o divórcio por mútuo consentimento pode ser equiparado à revogação (necessariamente bilateral), e o divórcio litigioso a uma espécie de resolução (fundada no incumprimento de deveres conjugais), em que medida se desvirtuaria a noção de casamento como «um contrato» com a supressão do divórcio litigioso e a consagração de uma nova figura - a do divórcio-ruptura -, que, no fundo, vem apenas introduzir no âmbito do casamento um equivalente próximo de outra causa geral de extinção dos contratos, a caducidade (ainda que, no que diz respeito ao seu exercício, se continue a aproximar da resolução)?
Como diz o Francisco, posição a que adiro irrestritamente, «o conteúdo de um contrato de casamento são os deveres recíprocos [e não os «afectos»], estabelecidos, precisamente, para o desenvolvimento do que se considera uma "vida em comum"».
Ora, se o casamento se encontra essencialmente funcionalizado à prossecução de uma «vida em comum», no momento em que esse projecto de «vida em comum» se dissolve de forma irrecuperável (e há formas objectivas de o aferir), o casamento, se o quisermos «tratar como um contrato», deveria considerar-se automaticamente extinto por caducidade, uma vez que estaria destituído de funcionalidade.
Para além disso, também não é exacta a afirmação muito difundida de que o novo regime hoje vetado excluiria do divórcio as noções de culpa e incumprimento. A substituição do divórcio litigioso pelo divórcio-ruptura não significa que os cônjuges não devam ser responsabilizados pelo facto de terem contribuído de forma decisiva para a extinção do «contrato» a que se encontram vinculados: a violação culposa dos deveres conjugais poderá sempre ser sancionada através do instituto geral da responsabilidade civil.
* O post anterior foi um momento (lírico) de mera provocação.