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Se bem percebo o texto de João Miguel Tavares sobre os cães que ladram enquanto a imparável caravana de Barack Obama passa, um comentador de política não pode ser só cepticismo; deve preservar sempre um sopro de benefício da dúvida que o permita entusiasmar-se com o eventual aparecimento de um tipo mais ou menos fora do comum. Não discordo e até vou mais longe: um comentador de política, se quiser manter um nível apreciável de imparcialidade analística (e, já agora, se não quiser forçar demasiado os naturais instintos humanos), deve exercer a sua função com 50% de cinismo e 50% de ilusão.
O problema é que, do que tenho visto, muitos dos que se deixam enamorar por Obama fazem-no apenas pelos discursos do candidato (e, claro, por este não ser português; alguém imagina o mesmo comentariado a tecer semelhantes loas a um político cá da terrinha?). Ora, longe de mim insinuar que Obama é um político oco. O seu passado e os seus textos pressupõem algo com mais patine intelectual que um qualquer José Sócrates. E longe de mim também desmerecer a importância das dimensões estética, emocional e lúdica da política (logo eu, um churchilliano militante). Sem verve e inspiração, não há debate político que se suporte. No entanto, desde logo, a escrita dos discursos não é nada de verdadeiramente excepional (por exemplo, quantas frases historicamente simbólicas - daquelas que, numa síntese lapidar, definem para a posteridade o momento em que são proferidas - podemos neles encontrar?). Depois, com a excepção do progressismo estatista para consumo interno, a retórica da mudança não é muito mais que um logro. Aos admiradores estrangeiros (nomeadamente aos europeus), presumo que interesse essencialmente a política externa. Mas aí o que devemos constatar é que, não só os EUA deixarão alguma vez de pensar apenas nos seus interesses e, nessa medida, não existem propriamente cortes muito profundos na tradição da política externa americana, como, em consonância, Obama tem vindo a limar de tal maneira as arestas das suas posições iniciais que se tem aproximado bastante das polticas do segundo mandato de Bush.
As esperanças dos obamistas europeus parecem-me claramente exageradas. E isso, sim, entusiasma o meu cinismo.