por Laura Abreu Cravo, em 19.01.07
Vivemos, dentro da nossa vida, várias outras. Representamos personagens de histórias diferentes que se movimentam em mundos paralelos. Coleccionamos instantes retalhados como peças de um puzzle que — perceberemos— não encaixam umas nas outras (quando formos tentar juntá-las para formar as imagens que queremos recordar tempos depois).
Na fúria das vivências imediatas corremos para os camarins e trocamos atrapalhadamente os fatos dos personagens diferentes que encarnamos enquanto alguns adereços (essenciais) tombam pelo caminho e nos deixamos tropeçar nos objectos esquecidos de histórias já acabadas.
Paramos, cansados, à boca de cena, para ganhar fôlego e ouvimos gritar, do palco mais distante, que é a nossa deixa. Levamos esquecidos (ou agarrados) alguns adereços das outras vidas e — por esquecimento ou dislate— deixamos que nos caia da boca o texto da vida errada. Vemos o olhar perdido e incrédulo dos que partilham, connosco, a vida certa (deles) e a (nossa) enganada e procuramos, num pânico gelado, o ponto num fosso de orquestra vazio.
Para sobreviver aos mundos paralelos (e para que eles mesmos nos sobrevivam) é preciso não deixar cruzar os caminhos. Corremos o risco de esbarrar connosco numa esquina e ter de escolher um de nós. É aí que nos deixamos morrer.