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No princípio Marx criou o céu e a terra

por Tiago Geraldo, em 30.01.07

Rodrigo, embora a expressão possa parecer ligeiramente «engajada» não consta que tenha sido baptizada por nenhum barbudo.

Como já disse no Blogue da Atlântico, ainda que determinado crime se revele conforme a uma dada opção moral, é necessário que à conduta criminalizada corresponda uma «reprovação ética geral» (fundada na tal consciência social dominante que não é obviamente confundível com a rousseauniana «vontade popular»).

Confesso o meu fetichismo com alguma extrema-esquerda e a tendência para criticar o marxismo na fnac, nas casas de banho públicas e no parlamento. Mas parece-me despropositado praticar e desenvolver esse fetiche neste momento.

A questão básica começa e acaba aqui: se somos pluralistas devemos ser contra incriminações que tenham por base um juízo moral que não reúne consenso da sociedade.  E não me parece que este tipo de afirmações possa ser considerado sintoma de relativismo. Aproveito para dizer «qualquer coisa de direita» e cito a meu favor John Kekes, um autor certamente benquisto entre as hostes cá de casa, para lembrar que um estado relativista tenderá a defender que todos os valores são dependentes do contexto. Para o Estado relativista é a própria pluralidade dos valores, associada à dependência destes valores de um qualquer contexto, que «exclui a possibilidade de crítica e justificação objectiva». O que torna o pluralismo diferente de outros «ismos» é a rejeição partilhada por monistas e relativistas que só um valor incondicional pode ter autoridade moral, racional e independente do contexto. Neste referendo, para muito boa gente, o único valor ponderável é o Bébé-que-mexe-e-dá-pontapés. O contexto não entra nas contas. Essa absolutidade é profundamente contrária à mais elementar noção de pluralismo que devia ser dado adquirido nas nossas sociedades.

E não me parece que a importância do «pluralismo» tenha sido anunciada pelos amanhãs que cantam nem pelo farto couro cabeludo do dr. Vital Moreira nos loucos anos da Revolução.

(actualizado)


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De SOU COMUNISTA! a 30.01.2007 às 03:26

Vital Moreira bateu-se por essa "questão básica" - ser pluralista, quando repetidas vezes, falou da consciência social dominante que colide com a lei em vigor, baseada, a meu ver num juízo moral do legislador. Só o Sim neste referendo é plural porque não impõe, porque dá ao Não essa escolha, a do não em si mesmo. O contrário jamais se verifica.
Embora respeite o que escreveu (foi dos posts mais interessantes que li aqui no 31), não concordo consigo quando escreve que Vital Moreira não anunciou a importância do "pluralismo". Vital Moreira defendendo o Sim, fez mais do que o anunciar, defendeu esse "pluralismo".
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De Tiago Geraldo a 30.01.2007 às 03:35

O lapso foi meu (entretanto corrigido). Acho que Vital Moreira defendeu (e bem) o pluralismo ao defender o sim.
O que queria dizer era que não foi Vital Moreira quem «inventou» o pluralismo. Na nova versão já se percebe melhor.
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De SOU COMUNISTA! a 30.01.2007 às 03:45

Sim, de facto a nova versão percebe-se melhor. Não, nos "loucos anos da Revolução" não vi Vital Moreira a defender o pluralismo. Outros tempos, outros valores, outro contexto.
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De Bekx a 30.01.2007 às 10:38

"Neste referendo, para muito boa gente, o único valor ponderável é o Bébé-que-mexe-e-dá-pontapés"

O que me assusta é que para todo o resto da gente o "Bébé-que-mexe-e-dá-pontapés" é o único valor imponderável, ou não é isso que quem defende o aborto livre até às 10 semanas advoga?
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De Pedro Fonseca a 30.01.2007 às 14:24

Mas será que o acto de abortar deve ser considerado apenas uma escolha moral? Será que o NÃO representa uma imposição de valores?

Para muitos dos seus defensores acredito que sim.
Para mim, não.

O homicídio não é criminalizado por ser moralmente errado mas porque entra em conflito com outrém.

Para muitos o aborto deve ser uma liberdade da mulher, na minha opinião este acto entra em conflito com:
-o futuro filho
-o "co-proprietário" do abortado (pai)
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De Henrique Burnay a 30.01.2007 às 23:08

Tiago, bem escrito mas mal visto. É que não está aqui em causa nenhum juízo moral que se impõe aos outros. A menos, claro, que consideres a inviolabilidade da vida humana uma imposição moral que uma parte da sociedade faz sobre a restante.
Esse equívoco - o da discussão moral - é útil ao argumentário do Sim, mas não corresponde ao que está em causa. Estando ali uma vida, defendê-la não é uma "imposição moral". Podes discordar, dizer que uma maternidade desejada é mais importante do que uma vida por nascer, que mais vale abortar num hospital do que num vão de escada, o que quiseres, mas não podes dizer que defender a vida é impor uma moral alheia. A menos que tudo o seja, claro.

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