De Ze Diogo Quintela a 05.02.2007 às 16:00
Rodrigo
Está descansado que percebi o sentido do teu post. Não achei foi que valesse a pena comentá-lo, uma vez que, como demonstras na resposta ao meu comentário, só queres falar do meu erro. Vamos então falar sobre o meu argumento.
(Para já, para facilitar, permite-me mudar unanimidade para consenso.)
O consenso (ex-unanimidade) de que falo, não é relativo à lei. É relativo a um pressuposto da lei. Se proíbes o aborto porque é um atentado a uma vida humana, mas, ao mesmo tempo, os especialistas não chegam a um consenso sobre quando essa vida humana começa, não estás a ser miudinho com os conceitos, estás só a ignorá-los. Não havendo certezas, acho que é uma decisão individual.
É giro que compares o caso do aborto a outros casos de legislação que dividem a consciência das pessoas desta maneira. Ainda ontem vi uma enorme manifestação contra o direito das mulheres. Tive oportunidade de a ver durante horas, porque estava parado na rua. É que tive um acidente, causado por um activista dos direitos dos condutores ébrios. São, de facto, dois temas polémicos e fracturantes.
Gabas a beleza dos meus argumentos, mas deixa-me dizer que os teus também não são de deitar fora. São daqueles que apetece assobiar, quando os vemos passar na rua.
Acho que os direitos da mulher são consensuais na nossa sociedade. O direito do feto sobrepor-se ao direito da mãe não é, lá está, consensual. Houve uma altura em que era consensual que as mulheres não tinham direitos. Depois houve uma altura em que havia uma divisão de opiniões, agora é outra vez consensual. Daí estar consagrado na lei que as mulheres têm os mesmos direitos que os homens.
Acho que é consensual que quem conduza bêbado deva ser penalizado, porque põe em perigo a vida de outros. Não se pode comparar uma mulher que aborta com um bêbado que mata alguém num acidente de automóvel. Digo eu. Mas acho que é consensual.
(Sobre a consumo de drogas, acho que é mais um assunto em que o Estado não se devia meter, mas isso são contas de outro rosário.)
Portanto, e respondendo à tua pergunta, acho que sim, em questões como esta do aborto, há um mínimo olímpico de consenso para se poder legislar. Até porque convém saber sobre o que é que se está a legislar. Há quem ache que se está a legislar para punir uma forma de homicídio, há quem ache que se está a legislar para proibir um comportamento íntimo que não afecta mais ninguém, senão o próprio. Ninguém deu ainda uma resposta convincente. Muito menos, consensual.
Obrigado por me permitires esclarecer este ponto. Entrego-te, penhorado, as minhas barbas. Que não tenho.
Abraço
zdq
De Anónimo a 05.02.2007 às 18:45
Zé,
Nunca te imaginei pessoa de consensos, mas venha daí a emenda (sou um perdulário) que era ao consenso que eu queria mesmo chegar.
“Os especialistas não chegam a um consenso sobre quando essa vida humana começa”. O teu ponto de vista é pelo menos consensual junto da Lídia Jorge. Há coisa, mas não é bem vida. Há vida, mas não bem é humana. Bate leve, levemente e fui ver: era a coisa humana.
Meu querido Zé Diogo é, no mínimo, louvável a tua coragem. A discussão sobre o princípio da vida acabou há vinte anos. Tu próprio o admites quando falas em “mínimo de consenso” em vez de “polémica” ou “discórdia”. Já nem a afoita Odete Santos ousa trazer essa lança encarvoada para a justa.
É claro que existem certezas sobre o princípio da vida. Onde existem dúvidas é no tipo de direitos que estamos dispostos a reconhecer a essa vida.
Mas nesse aspecto referes que “em questões como esta do aborto, há um mínimo olímpico de consenso para se poder legislar.” Pois. O consenso outra vez. Pessoalmente tenho medo do argumento do consenso. É pau de dois bicos. Repara nisto: E no entanto, ao votar SIM, autorizas a liberalização do aborto sem que esse exista o mínimo de consenso sobre a não existência de vida.
Vês? Terias ficado melhor servido com a unanimidade.
E não existindo consenso? Em caso de dúvida? Como é? “Acho que é uma decisão individual” dizes tu. “em caso de dúvida é melhor dar protecção plena" digo eu "não vá o diabo tecê-las e estar lá mesmo uma pessoa".
É que não existindo consenso, para legislar só temos o bom senso.
Abraços amigos
RMD
É chocante como, por vezes, o consenso e o bom senso andam de mãos dadas. A nossa sociedade está longe de primar pelo bom senso mas é minimamente capaz de optar entre liberalizar ou não o aborto. É por isso que há adultos. E para isso.
Contudo, torna-se um descalabro notar que, em Portugal, o Uso/Costume é fonte mediata de Direito. Tendo eu estudado ao de leve o tema, julgo que se as pessoas praticarem o aborto de uma forma generalizada durante alguns anos (julgo que seis), pode ser considerado como prática recorrente e, como tal, permite-se essa prática. Eu nunca chamaria nomes a uma praticante de aborto, não questiono a necessidade de abortar mas nunca responderia "Sim" neste referendo. É o meu bom senso. Não é consensual porque os meus argumentos padecem de legislação pelo Rodrigo mas vale o que vale.