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Post pouco ou nada popular

por Francisco Proença de Carvalho, em 04.08.09

Há quem diga que a mera suspeita é incompatível com o exercício da política. Do ponto de vista dos princípios teóricos, é uma posição bonita e inatacável. Mas, na vida real, parece-me uma tese ingénua e sujeita a resultados perversos. Hoje a suspeita pode surgir de qualquer lado: de denúncias anónimas, de investigações jornalísticas com o objectivo de fazer manchetes atractivas, de ódios pessoais e políticos, das mais variadas formas e feitios…. Exemplos não faltam da enorme facilidade com que, sumariamente, se arrasam carácteres em Portugal, sendo que, provavelmente na maior parte das vezes, esse julgamento público não tem a correspondente condenação penal ou sequer acusação.

 

É também por isso que discordo em absoluto da aprovação de qualquer lei que impeça os cidadãos de se candidatarem a cargos políticos pelo facto de serem arguidos ou acusados (algo bem diferente de condenados) criminalmente. É óbvio que fica bem aos políticos defenderem este tipo de legislação, principalmente nos tempos em que esta classe é generalizadamente mal vista. Os habituais patriarcas da moral e bons costumes gostam, os media aplaudem quem propõe estas medidas, portanto os seus defensores batem recordes nos rankings da popularidade. No entanto, por um lado, trata-se de uma posição fortemente subversiva do princípio da presunção de inocência, tão esquecido por estes dias, mas absolutamente fundamental num Estado de Direito e com aplicação a todos os cidadãos, sejam políticos, ricos, poderosos ou desfavorecidos; por outro lado, confere ao Ministério Público, órgão não sujeito ao escrutínio democrático, o poder quase discricionário de interferir no processo democrático, com base em meras suspeitas ou, não raras vezes, em convicções de cariz marcadamente ideológico e motivadas por pressões mediáticas.
Se somos tão zelosos na defesa do princípio da separação de poderes quando está em causa as possibilidades de interferência do poder político no Ministério Público, mais ainda devemos ser quando está em causa a possibilidade real de interferência deste no processo democrático. Não há sistemas perfeitos, mas parece-me claramente preferível ter um político corrupto passível de ser julgado pelos eleitores, do que procuradores movidos por intenções bem mais amplas do que a defesa da legalidade e que, ainda assim, conseguem fazer uma carreira intocável.
Os Srs. Procuradores não são deuses. São tão pessoas como nós… tão corruptíveis, pressionáveis ou influenciáveis como qualquer político, com a simples diferença de que estão muito pouco sujeitos ao princípio do controlo democrático, último garante de um país livre. Deixarmos ao seu arbítrio tão importante direito como a capacidade de um cidadão se apresentar a eleições, será mais um passo para alimentarmos este monstro corporativo.   
Tem sido também à conta destes devaneios demagógicos e oportunistas de parte da classe política, que a nossa Justiça vai definhando lentamente em auto-gestão, completamente alheada dos princípios democráticos.
 


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De José Barros a 04.08.2009 às 03:12




O problema é que mesmo a posição defendida pelo Francisco Proença de Carvalho levanta muitas questões de constitucionalidade. 

É que a presunção de inocência dura até ao trânsito em julgado da decisão de condenação. Pelo que Isaltino ainda é presumido inocente e, como tal, na lógica da constituição, deve poder concorrer às eleições. 

Assim sendo, uma lei que proíba políticos de concorrer a eleições, ainda que tais políticos já tenham sido condenados em primeira instância, é muito provavelmente inconstitucional. Na prática tal lei  antecipa  os efeitos da condenação penal para um momento em relação ao qual há uma exigência por parte d a legislação penal e constitucional de que  a pessoa em causa seja tratada como presumível inocente. 

O problema é, pois, de base e levanta-se tanto em relação a políticos como quaisquer outros cidadãos: devemos, como exige a constituição, fazer de conta que um cidadão condenado em primeira instância, goza de todos os seus direitos e liberdades como um cidadão que nem sequer seja arguido?  Ao colocarmos esta questão é todo um sistema de princípios que é posto em causa. E a questão vai, pois, muito para além do que tem sido discutido.

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