O problema com o" relatório CIA" é que o Parlamento Europeu violou um princípio de separação das esferas e, em vez de "fiscalizar" as instituições comunitárias, como é devido ao um parlamento desta natureza, quis investigar e fiscalizar os Estados Membros. Não é inédito, mas nem por isso é menos mau. Muito pelo contrário. Tudo o que vem no relatório ontem aprovado - e que é bastante menos estridente do que o que foi sendo dito nos últimos meses - podia e devia, pode e deve, ser feito ao nível dos Estados Membros, pelos seus parlamentos e pelas suas instituições judiciais. Ora, não havendo uma suspeita de súbito desaparecimento da democracia e do império da Lei nos Estados Membros, caso em que o processo a abrir seria outro, não há nenhuma boa razão para que o Parlamento Europeu se substitua às instituições das democracias nacionais, como que duvidando da sua capacidade ou vontade de cumprir as suas funções.
Prova de que este é o entendimento dos Estados, que não são fanáticos por intromissões deste tipo na sua soberania, é que a maioria dos governos, incluindo aqueles que entretanto mudaram (caso de Espanha, à esquerda, mas de outros, também), colaborou o menos possível com a investigação europeia, raramente enviando às reuniões os responsáveis máximos das autoridades nacionais. (Neste capítulo há um detalhe curioso: o desgraçado do nosso MNE, que foi dos poucos a tratar a comissão com deferência, foi dos mais maltratados, como se de um contumaz se tratasse.)
A defesa da visão soberanista não é acidental nem inocente. Para além de se tratar, de facto, de uma questão de hierarquia e compatibilização de poderes e competências entre as instituições comunitárias e a ordem jurídica nacional, trata-se também de evitar uma mais que previsível utilização do palco "europeu" para desenvolver guerras nacionais. Foi o que aconteceu. Quem ler o relatório verá que a barulheira que se fez em Portugal é absolutamente desproporcional face às referências feitas ao nosso país - por favor leiam o relatório antes de comentar -. Tal como foi o caso de outros países, onde é evidente que alguns deputados europeus tentaram ajustar contas de política interna.
E chegamos ao relatório propriamente dito. Quem queria uma declaração que comprovasse as suas opiniões, suspeitas ou certezas pré-compradas, tem-na (embora o que diz o relatório esteja longe de ser o que foi dito). O problema é que o que relatório diz, diz muito pouco. Não sendo investigadores, os Deputados preenchem as lacunas com suposições, presunções e teorizações. Prova de que uma investigação de tipo criminal não é o forte de instituições políticas, onde o resultado é votado de acordo com a democrática lei da maioria, em vez de ser o fruto da jurídica lei da prova.
As almas mais simples tenderão a ver numa crítica ao relatório CIA um misto de subserviência ao imperialismo e de desapego aos valores fundamentais, ao Direito e às Liberdades. Normalmente não vale a pena discutir com almas demasiado simples.
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