"Esquecimentos Liberais"
"Quando o termómetro religioso está em cima, o termómetro da política está em baixo, e quando o termómetro religióso está em baixo, o termómetro político, a repressão política, a tirania, eleva-se. Esta é uma lei da humanidade, uma lei da história."
Juan Donoso Cortés
Sobre o liberalismo e as suas contradições, creio que ficou tudo dito com o excelente comentário do Modernista (interrompido pelo Haloscan). É incompatível o jusnaturalismo liberal, com a crença na posse da comunidade política que provém da concepção contratualista de Rousseau.
Há, porém, um ponto de que os liberais portugueses se esquecem na sua transposição das políticas liberais para este pedaço de chão.
Os liberais que falam das instituições da sociedade civil, os ditos liberais-conservadores, esquecem-se sempre que o propósito da liberalização política seria deixar a sociedade organizar-se em liberdade. O que é mais curioso nesta liberalização é que a crença dos liberais clássicos corresponderia, num passe de mágica, a um reforço dessas instituições. O que se viu, contudo, foi precisamente o oposto. A “libertação” da sociedade das garras da política foi uma fraude grotesca que destruiu a família e as associações sociais, precisamente pela incapacidade que os liberais sempre tiveram de compreender que o núcleo de amizade política, a comunidade e a sua justiça, representa e condiciona todas as relações sociais.
Num mundo de fortes convicções religiosas a repressão política é quase desnecessária e o liberalismo sempre se viu como defensor das várias perspectivas religiosas privadas, por essa razão. Razão que, infelizmente para eles, era verdadeira apenas no contexto dos conflitos protestantes. O liberalismo nunca se conseguiu libertar desse preconceito, gerado pelo ambiente da sua geração, de que removendo a política do social as instituições ficariam mais fortes. Esse erro seria pago nos séculos XIX e XX. A defesa de uma comunidade sem princípios, em favor de uma sociedade de crenças, gerou apenas uma a ausência de crenças em ambas. Movendo uma guerra à Religião, a única que havia no país (ao contrário do ambiente britânico onde a religião era o fulcro da discórdia), sob a perspectiva de que esta teria de ser removida da esfera pública, chegou-se a uma situação lamentável em que um dos regimes menos cristãos (em que o catolicismo era mera forma) da história do país, se revestia de uma capa de catolicidade. Em Portugal o liberalismo não resolveu qualquer disputa no povo. Introduziu uma nova religião e uma ideologia para disputar com o Catolicismo.
Os liberais não ficaram, contudo, por aí. Ao verem a colapsar todas as crenças da comunidade e sociedade, viraram-se para a Esquerda para o levantamente dos novos mitos sociais. Em vez de assumir a derrota, afirmaram-se ao lado do progressismo da I República, do 25 do A., prontos a assumir crédito pelos novos ídolos, a democracia e os direitos humanos, esquecendo a perfeita incompatibilidade do liberalismo com a democracia (quantos países democráticos são liberais no sentido da clássica) e comprando os Direitos Humanos com um pacote de fervorosas concepções anti-liberais (direito ao trabalho, férias pagas, etc.).
Os liberais em Portugal fizeram uma revolução contra a Igreja, em favor de uma treta religiosa que nem eles compreendem. Depois perceberam que sem esta não conseguiriam ter sociedade e tentaram controlá-la (I República). Ao verem que o não poderiam fazer, ajudaram à construção do progressismo. Agora reinvindicam para si os benefícios progressistas da “religião política” que ajudaram a erguer e que vai contra o que queriam proteger. E o pior é que alguns nem perceberam isso.