Caríssima Maria da Fonte, que num acesso de nacionalismo folclórico ache que 1500 anos é a idade de Portugal (confessando eu desde já a minha dificuldade em perceber essas contas que terminam em D. João II...) não me parece mal como começo de conversa. Que se esteja a referir à dificuldade da comunidade islâmica em praticar o seu culto religioso, confesso que desconheço tal perseguição em terras europeias e republicanas. Quanto às diferenças que apontou como puramente genéticas e atribuíveis ao DNA, duvido que tenham desencadeado em mim alguma reacção de superioridade pequeno-burguesa disfarçada de proletária. Quanto à pergunta que alega que é a única que interessa "Porque são os portugueses geneticamente os mais antigos?", devo fazer-lhe notar que não a fiz simplesmente porque a resposta não me interessa para nada. Tão simples quanto isto...
De Maria da Fonte a 25.08.2009 às 01:28
Caro Al Kantara
Cheguei a pensar que tinha o Espírito Científico, dos que procuram através do estudo e do conhecimento, aprofundar e debater todas as questões.
Sem Tabus. Sem preconceitos.
E foi só por isso que me dirigi a si.
Afinal, não tem.
Sendo assim, peço-lhe que me desculpe por o ter incomodado com as minhas reflecções.
Maria da Fonte
"Sobre a Divinização da Dúvida"
A dicotomia Fé (certeza) – Razão (dúvida), é uma caricatura moderna da compreensão do Homem no Mundo. A Fé dá mais dúvidas do que certezas. Da mesma forma que a aprendizagem do alfabeto, embora arbitrária, nos permite compreender e aproximar mais ou menos da verdade, a Fé opera no homem a mesma funcionalidade de gramática do Bem, que pode estar mais ou menos aproximado da Fonte da Realidade.
Daqui emergem duas consequências.
A Fé não emerge como conjunto de certezas sobre o mundo (o que a ideologia dá), mas como um método de compreensão. Só há dúvida onde existe fé, da mesma forma que só há física porque existe fé que a matéria existe no nosso mundo, apesar de ninguém ter visto um átomo. Só a partir daí se pode partir para a compreensão das relações do elemento para com a restante realidade.
Não aceitar a existência da realidade é, contudo uma alternativa bem pior do que aceitar as arbitrariedades do alfabeto ou da gramática do Bem. Sem uma gramática nenhuma questão é lícita ou ilícita, sem ela não se pode questionar a proximidade ou adequação da linguagem à verdade. Desta forma a legitimação do grotesco, a defesa do mal pode ser feita sem qualquer problema, escondida sob a perspectiva diferente. A defesa da radical inexistência do “outro” torna-se, não apenas possível, como uma consequência lógica. Temos nós a possibilidade de escolher quem tem o direito a ter direitos? Sem aceitar a existência de uma Humanidade que provém da autoridade do Cristianismo, podemos escolher quem é humano e quem não o é. Não é esse o fundamento essencial do pensamento do Justo (a capacidade de aceitar que a Norma não provém da minha vontade)? Se a nossa razão ditar a infrahumanidade de judeus, crianças, ou mesmo de toda a restante humanidade, porque é que não pode ficar esta agrilhoada às ordens do tirano?
A Fé é o início de todas as dúvidas, mas nem todas as dúvidas são lícitas. A própria filosofia e método socrático-platónico precisam tanto da fé como da dúvida, compreendendo que ambas fazem parte do mesmo processo. Como se poderia aprofundar qualquer forma de conhecimento se todos os interlocutores negassem a existência de uma verdade externa ao Homem? Quando questionados os interlocutores de Sócrates aceitam sempre o paradigma de que o bom é melhor que o mau, que o elevado tem precedência sobre o inferior. Só a partir daí pode Sócrates emergir triunfante (sendo por isso que até os sofistas aceitem que a Verdade é que não há Verdade) e só assim pode chegar-se a um grau de aproximação da realidade.
Este elemento é fundamental na diferença entre o “conservadorismo” dos dogmas humanos e a tradição filosófica cristã. O dos dogmas humanos quer estabilidade e para isso funda-se nas convenções tornadas inquestionáveis pelo seu carácter humano. A tradição filosófica cristã funda-se no concreto para poder aplicar princípios de justiça que são sempre questionáveis. Não é à toa que o jusnaturalismo é uma tradição filosófica condensada na reflexão platónica e, no entanto, comporta um conjunto de “elementos de fé” dos quais qualquer compreensão da realidade não pode prescindir.
Como dizia o Rafael Castela Santos (http://casadesarto.blogspot.com/)há dias, a fé não se sente, ou se tem ou não se tem.
A alternativa é bem pior.