Movimentos e elites
Moisei Ostrogorski defendeu, um tanto antes de Robert Michels e mesmo de Gaetano Mosca, que tendencialmente a vida política das sociedades se encontrava dominada pelas máquinas dos partidos instalados. Os dirigentes dos partidos tenderiam a manter-se e a recorrer a todos os estratagemas para continuar no poder. Advogou então a criação de partidos temporários para evitar a degradação da vida política. Na verdade, estes partidos temporários, consolidados na base de interesses efémeros, mais não seriam que movimentos ocasionais de fraca densidade emocional e de muito fraca organização. Como o mal a combater era a organização partidária instalada e dominante, Ostrogorski pensou que partidos deste teor nunca cairiam na mão de uma qualquer máfia, salvando-se assim a democracia ou a ideia que ele tinha da democracia.
Não prestou porém a devida atenção aos movimentos que no seu tempo se desenvolviam e também não notou que muitos deles se dotavam de uma organização. Ou seja, que os seus partidos temporários estavam a nascer sob a forma de movimentos sociais. Na realidade, como faria notar mais tarde Robert Michels é a organização que dá eficácia ao partido, ao grupo, ao movimento. É a condição indispensável do triunfo. A isso chamam os sociólogos americanos o "efeito Michels".
Mas será que os movimentos podem prescindir da organização? E se a instalarem até onde poderão ir? Estas duas perguntas legítimas colocam-nos no cerne do debate. Já não se pode dizer com Giddens que a linha divisória entre movimento e organização formal é nebulosa porque os movimentos bem estabelecidos criam uma organização burocrática. Na realidade, mesmo antes de serem movimentos bem estabelecidos começam justamente por instaurar a organização.
Actualmente, os movimentos sociais e políticos têm estruturas organizativas e os que caminham para a sua afirmação na sociedade, quer legal, quer ilegalmente, também. A duração temporal e os objectivos ajudam a que a organização se afirme e se instale. E que do movimento se passe a outra instância, desafiando o poder e eventualmente conquistando o Estado. A história ainda recente do movimento polaco Solidariedade provou que um movimento laboral, assente numa organização formal, com fins específicos, pode alargar as suas ambições e levar os seus dirigentes ao poder. A história pessoal de Lech Walesa, um operário polaco que chegou a ser Presidente da Polónia, e dos intelectuais do movimento, provaram que dos enfrentamentos nos estaleiros navais de Gdansk (antiga Dantzig), da contestação ao poder político, se pode marchar para a luta política, combater outra guerra que é a conquista de votantes e por aí chegar aos órgãos do Estado.
É evidente que nem todos os movimentos podem dar este gigantesco salto, mas também é verdade que muitos o têm dado. Entre aqueles que o deram, dotados de poder financeiro, e que por consequência albergaram uma organização, esta produziu os efeitos esperados: criou dirigentes profissionais a tempo inteiro.
A organização produz a elite. Esta verificação aparentemente tautológica encontra-se repetida desde Mosca até aos nossos dias. Efectivamente, os movimentos que Giddens qualifica de transformadores e reformistas são os mais aptos a desenvolver burocracias para os seus fins, de modo que no seio das burocracias desponta uma nomenclatura. Essa elite disputará a chefia do movimento e conduzi-Io-á segundo os seus desígnios. É certo que os membros do movimento têm a hipótese de desafiar a burocracia ou mesmo despedi-la, mas tal hipótese é remota. Uma vez enquadrado, com líderes conhecidos e venerados, aos seguidores não resta alternativa, excepto serem "conduzidos" pelos emblemáticos chefes.
Mosca ofereceu um modelo para esta ascensão e para a compreensão da mudança social a partir destas bases. Ele entendia que a sociedade mudava pela pressão de novas forças sociais, que apareciam com protagonismo na área social. Essas forças desenvolviam-se por diversas razões: ora porque mudavam as tecnologias, se alteravam as regras do jogo político, se geravam rupturas no sistema de produção, ou porque entrava em campo uma nova religião.