Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Hoje, no jornal i, João Cardoso Rosas (JCR) escreve sobre a direita e os valores. Ou melhor, sobre o que ele entende serem "valores", categoria teórica de que a "direita" se reclama defensora oficial. Bem sei que os politólogos e os cultores da Teoria Política são capazes de malabarismos intelectuais pouco comuns, mas este texto do JCR vai para além do acatável contorcionismo.
Em primeiro lugar, faz-me espécie que se possa falar de valores, como sendo uma realidade homogénea e incindível, ao ponto de se afirmar, como JCR deixa entendido, que há quem se reclame de ser pelos valores (a direita) e quem aos olhos destes se mostre contra eles (a esquerda). Não tenho seguramente a experiência do JCR, mas não me lembro de alguma vez ter ouvido a alguém da "direita" tamanha aleivosia. A(s) esquerda(s) te(ê)m os seus valores. Não são é os mesmos dos defendidos pela(s) direita(s). Temo que este maniqueísmo que o JCR lamenta não exista para além da sua Teoria Política.
Peguemos nos exemplos oferecidos pelo JCR.
1 - Eutanásia. A direita (a admitir unicidade de pensamento nesta matéria, o que já revela algum atrevimento) é contra pela leitura que faz do valor "vida". A esquerda é a favor porque despreza o sofrimento evitável. Isto, a meu ver, é uma abusiva simplificação que muito fica a dever à seriedade. No limite, isto significa que a direita não se comove com o evitável sofrimento ou que a única solução para o sofrimento é a morte. Nem a maleabilidade da Teoria Política autoriza esta conclusão.
2 - Valores da Família. O JCR reconduz os valores da família, para a direita, à defesa "do modelo nuclear reprodutivo, com agregados familiares compostos por pai, mãe e filhos menores". Já a esquerda é, no seu juízo, mais "realista" e capaz de interpretar os tempos, não sem algum conservadorismo (?). É evidente que isto, além de preconceituoso, não corresponde à realidade. Quanto muito, e nos temas que têm ocupado a pré-campanha, que estão longe de esgotar o que possam ser os tais valores da família, o que a direita defende é a valorização do casamento, enquanto estrutura tradicional e natural de organização social, pelo relevo que essa estrutura assume, e bem, no tecido social. Essa defesa passa nomeadamente, pela rejeição dos casamentos homossexuais, da "matrimonialização" das uniões de facto e da descontratualização do casamento por via da banalização do divórcio. Mas isto não significa que todos têm de casar, que não pode haver relacionamentos homossexuais, que não pode haver uniões de facto e que não pode haver divórcios. Não percebo, por isso, a alusão ao estado civil de Paulo Portas e de Manuela Ferreira Leite. Para JCR, e espero que só para ele, os líderes do CDS e do PSD não têm família.