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O novo-riquismo do TGV

por Carlos do Carmo Carapinha, em 20.09.09

O Dr. Luis Nazaré, no último Expresso da Meia-Noite (SIC), aliviou-se pela enésima vez da sua mais premente preocupação para o país: o TGV. Para este economista/gestor, o TGV é «fundamental» para o futuro de Portugal. O tom é mais ou menos o habitual e pode ser resumido na já costumeira, estafada e aparentemente definitiva expressão: «Portugal não pode ficar para trás». Ao lado do Dr. Luis Nazaré está a generalidade dos socialistas pró-Sócrates. E, claro, o próprio Sócrates que, num assomo se seriedade e de renúncia à demagogia, aproveitou uma ida a Bruxelas para andar de TGV (são, de facto, reais os benditos comboios), convocando, en passant, os jornalistas para o filmar e fotografar todo moderno e feliz no interior da besta (é, aliás, curioso como em Portugal os jornalistas se prestam a estes exercícios, correndo na direcção do chefe como um cão atrás do dono). Tudo isto no seguimento do tema predilecto desta campanha eleitoral: o TGV (um dia, daqui a cinquenta anos, os netos da minha filha vão provavelmente perguntar “avó, que absurdo foi este do TGV nas eleições de 2009? Não haveria mais nada de importante para debater?”, ao que a minha filha responderá “acendam ao blogue do movimento SIMplex, um dos movimentos mais representativos da Nova Arrancada de início do século, e aonde escrevia aquele primeiro-ministro, de seu nome João Galamba, que ficou conhecido passados alguns anos como o novo Fontes Pereira de Melo, e talvez percebam alguma coisa”).

 

Desde que Manuela Ferreira Leite pôs em causa o timing da construção do TGV (ela não é contra o TGV mas contra o TGV no actual cenário e momento económico, embora este pormenor não seja particularmente interessante para quem viva da deturpação), abriu as portas para o segundo tema de conversa, imposto pelo PS mais uma vez num assomo de seriedade política e de renúncia à demagogia: o carácter salazarento, retrógrado, conservador, de extrema-direita, de Manuela Ferreira leite. Mas não pensem que foram, ou são, só os socialistas a ter achaques por causa do TGV. Ontem, à conversa com uma amiga minha, de esquerda mas que nunca na vida votou PS, descobri que também ela e mais gente da esquerda não-PS acha o TGV «importantíssimo». Juram que o TGV, enquanto investimento do Estado (e ela acha que só o Estado pode injectar dinheiro na economia e «puxar» pelo país), vai criar riqueza e permitir que Portugal não fique «fora da Europa» («não ficar para trás» ou «não ficar fora da Europa» equivalem-se e disputam o lugar de argumento mais sólido e insofismável sempre que se discutem as razões de determinada opção estratégica que envolva o severo e venerável futuro do país). O que a minha amiga e o Dr. Luis Nazaré e o senhor primeiro-ministro não conseguem explicar é porque razão, sendo o TGV um investimento tão estruturante, em quatro anos e meio nem uma pedra se tenha lançado na construção da linha de alta velocidade. Mistério. Mas seja como for, esta visão não deixa de ser paroquial e provinciana. O ordem de prioridades que vai na cabeça desta gente faz lembrar a estrutura mental de um novo-rico: pode não saber escrever uma linha de português, pode não saber comportar-se à mesa, pode ser obeso e ter problemas de saúde por comer de forma desregulada, pode ter os filhos com problemas no ensino, pode bater na mulher, pode não saber distinguir um Picasso de um Velásquez, pode nunca ter ido a Paris, Londres ou Nova Iorque, pode não perceber nada de nada mas ahhhhhhh! tem um Ferrari! Esta gente, que adora andar de TGV quando vai «lá fora», terá a noção do que se passa no seu país? Querem falar de comboiozinhos? Vamos a isso. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Covilhã: 8 horas e 2 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Portimão: 6 horas e 10 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Castelo Branco: 6 horas e 30 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Figueira da Foz: 7 horas e 17 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Faro-Elvas: 8 horas e 51 minutos; número de partidas: 1. Get the picture? Não acham, portanto, ofensivo e absolutamente cretino falar-se do TGV Lisboa-Madrid desta forma? É esta a prioridade em matéria de mobilidade e transportes que preconizam para o país? Saberão em que país vivem e que carências estruturais ainda enfrenta em 2009, que o impedem de ser um país coeso e minimamente apelativo para as empresas e os cidadãos se fixarem, seja no litoral ou no interior? Querem um Ferrari? E que tal começarem por arrumar a casa?

 


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De RB a 21.09.2009 às 00:16

A D. Manuela, por não ter assunto ou programa é que puxou para o debate o TGV.
Se calhar com a alta velocidade ferroviária essa gente inculta e nova poderá ir a Madrid, Paris, Londres (eu sei que a Nova Iorque é mais difícil) aprender a distinguir um Picasso de um Velasquez...
E deixemo-nos de demagogias e de brincar aos horários dos comboios. Quantos portugueses quererão fazer diariamente as viagens que indica?
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De Carlos do Carmo Carapinha a 21.09.2009 às 00:47

Sim, quantos portugueses viverão foram das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto? Sim, quantos? Meia dúzia de idiotas certamente. O Lino tinha razão, não é? O resto é tudo um deserto...
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De David Miguel a 21.09.2009 às 11:05

Estupidifica-me o seu comentário Dr RB, obrigado por usar repelente de "povo" quando sai de casa.
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De vasco Rosa a 21.09.2009 às 00:16

Felicito-o vivamente pela demonstração efectiva do provinciano novo-riquismo dessa gente que desconhece o país e o despreza. Acrescentaria a situação ferroviária do Algarve, degradada e lenta em extremo e grafitada a ponto de não se conseguir olhar pelas janelas... Allgarve sim, é que fica bem no retrato deles. Absurdos que espero acabem em breve, para o bem de todos.
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De jorge a 21.09.2009 às 00:38

Tão pouco foram capazes de renovar os escassos kms que ligam Faro a Vila Real de Santo António, impossibilitando o intercidade de chegar a Tavira e a VRSA.
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De Carlos do Carmo Carapinha a 21.09.2009 às 00:51

Em Évora, onde vivo, não há ligação a Elvas. Se quiser ir a Elvas, de combóio, tenho que ir ao Entroncamento, passaro Abrantes, Portalegre... Mas é claro que, segundo o(a) leitor(a) RB, não há interesse nenhum em fazer esse tipo de viagens. Só Lisboa e Madrid interessam.
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De blogdaping a 21.09.2009 às 13:37

E... depois, o Intercidades chegava a VRSA com 3 gajos !!!
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De ajoq2001@gmail.com a 21.09.2009 às 17:37

Não me parece que tenha razão. Estou convencido que pessoas de Tavira e de VRSA que se deslocam a Lisboa iriam optar pelo comboio. Como está não podem. Têm que se deslocar a Faro e depois de Faro a Lisboa, é mais fácil e cómodo usar o automóvel. Por outro lado talvez houvesse  espanhóis de Huelva a aproveitarem o intercidades até Lisboa.
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De Luísa a 21.09.2009 às 06:36

Na Picture deveriam colocar outros exemplos também interessantes: Lisboa - Viseu, número de partidas: 0. Viseu - Porto, número de partidas: 0. Tem-se Nelas e o Vimieiro, sim a terra de Salazar, que até é uma ironia gira!! É que mesmo havendo a A25, a A24 e o IP3... nem toda a gente pode andar de carro. E fazer a viagem Coimbra - Viseu de autocarro pode ser algo traumático devido às condições da via. Linha do Tua, números de aprtidas: não se sabe, pois a coisa até é para fechar...
Eu cá acho que a ligação do TGV pode vir a ser importante daqui a uns bons anos. E se calhar até há outras coisas que podem ser boas alternativas ao TGV, como o TGD. Mas primeiro é preciso recuperar de outros atrasos. Não queiram pôr o carro à frente dos bois, ou melhor, o TGV à frente dos asnos.
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De blogdaping a 21.09.2009 às 13:38

A Luisa já pra 1ª ministra , senão zango-me !!
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De David Miguel a 21.09.2009 às 11:02

Carlos, concordo contigo, e acredito que para os socialistas a decisão mais difícil será mesmo escolher a cor do Ferrari (pago pelas reformas chorudas) ou do TGV (pago pelos desempregados ou pelos descontos dos emigrantes, pois em Portugal, em breve, poucos o vão poder financiar).
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De Linha do Tua a 21.09.2009 às 12:10

Não se esqueça do argumento dos não sei quantos milhões de euros que vêm da União Europeia, como se estivéssemos a "ganhar" alguma coisa (quando os nossos gastos vão ser cerca de 5 vezes superiores),


e o mais triste de tudo isto é que ninguém explica o benefício real do TGV. Para que serve? Em que estimativas se apoia? Qual o tráfego estimado de passageiros e mercadorias? Que dividendos trará e a que prazo? Ninguém responde a estas perguntas. Pior e mais sintomático que isso: ninguém as faz. Simplesmente se argumenta "ficar para trás na Europa", como saloios. Fechar a linha do Tua é um crime. Enquanto isso continuar a ser um projecto, não haverá nunca da minha parte possibilidades de considerar um projecto megalómano como o TGV.
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De Fernando Pinto a 21.09.2009 às 12:25

Creio que o TGV se tornou num assunto mais emocional que racional. Todas as pessoas que se pronunciam, fazem-no sem verdadeiramente se questionar o que é e como é o TGV e a rede ferroviária nacional. Assim, pergunto:


1. Com a bitola portuguesa actual (igual à espanhola mas diferente da de todo o resto da Europa, (des)graças a Napoleão), será possível criar uma rede ferroviária aberta a todos os comboios europeus, de forma a termos competitividade externa na drenagem dos nossos produtos?


2. Não seria boa ideia transformar (melhor dizendo, ir transformando) todas as linhas portuguesas para a bitola europeia (instituída no tempo de Napoleão e que obrigou espanhóis, portugueses e russos a ter uma outra, para lhe dificultar o passo)?


3. A bitola do TGV obriga a que só este tipo de comboios usem estas linhas, ou podem ser usadas por comboios normais (de bitola europeia)?


4. O TGV (e as suas linhas) pode ser utilizado por mercadorias de forma a optimizar o excelente Porto de Sines?


5. Que garantias teremos de que a(s) linha(s) de TGV (ou de bitola europeia) nos dão acesso às restantes linhas europeias?


Francamente, há anos que se "discute" o TGV e, até agora, ainda não vi ninguém fazer ou responder a estas perguntas que, a mim e creio que a muita gente, fariam ter uma percepção melhor do que estamos a falar.


 


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De blogdaping a 21.09.2009 às 13:39

A velha é que assinou por baixo !
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De Samsara a 21.09.2009 às 12:52

Apesar de não partilhar de muitas (quase todas!) das vossas ideias, estou perfeitamente sintonizado com elas na questão do TGV: este Governo quer fazer o povo acreditar que a salvação está numa LINHA (de TGV) e não em várias REDES (de transportes ferroviários, de transportes urbanos, de sistemas de saúde, de produção e distribuição energética, etc.). Optou-se assim por embelezar a árvore e arrasar a floresta.

Cumprimentos. 
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De José António Abreu a 21.09.2009 às 14:15

Excelente. Totalmente de acordo. Só como complemento, recomendo a leitura deste post no Novo Rumo: http://novo-rumo.blogs.sapo.pt/92449.html.
Na verdade, ninguém parece conseguir explicar exactamente o que é se ganha com o TGV; tudo o que se ouve é o discurso pomposo de "estarmos ligados à Europa". Quanto à existência de pessoas (como Luís Nazaré) e empresas (para além das construtoras, cujo interesse é óbvio) defendendo os investimentos públicos faraónicos, gostaria de chamar a atenção para a entrevista a António Borges que o 'i' trazia no Sábado. Borges é do PSD, claro, mas as respostas que dá a duas perguntas merecem ser ponderadas. A entrevista não estava online (e agora não fui verificar se já está) mas quem quiser pode ler este pequeno post que ontem escrevi sobre o assunto: http://escafandro.blogs.sapo.pt/81782.html.
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De jorge a 21.09.2009 às 17:35

Não me parece que tenha razão. Estou convencido que pessoas de Tavira e de VRSA que se deslocam a Lisboa iriam optar pelo comboio. Como está não podem. Têm que se deslocar a Faro e depois de Faro a Lisboa, é mais fácil e cómodo usar o automóvel. Por outro lado talvez houvesse  espanhóis de Huelva a aproveitarem o intercidades até Lisboa.

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