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O Dr. Luis Nazaré, no último Expresso da Meia-Noite (SIC), aliviou-se pela enésima vez da sua mais premente preocupação para o país: o TGV. Para este economista/gestor, o TGV é «fundamental» para o futuro de Portugal. O tom é mais ou menos o habitual e pode ser resumido na já costumeira, estafada e aparentemente definitiva expressão: «Portugal não pode ficar para trás». Ao lado do Dr. Luis Nazaré está a generalidade dos socialistas pró-Sócrates. E, claro, o próprio Sócrates que, num assomo se seriedade e de renúncia à demagogia, aproveitou uma ida a Bruxelas para andar de TGV (são, de facto, reais os benditos comboios), convocando, en passant, os jornalistas para o filmar e fotografar todo moderno e feliz no interior da besta (é, aliás, curioso como em Portugal os jornalistas se prestam a estes exercícios, correndo na direcção do chefe como um cão atrás do dono). Tudo isto no seguimento do tema predilecto desta campanha eleitoral: o TGV (um dia, daqui a cinquenta anos, os netos da minha filha vão provavelmente perguntar “avó, que absurdo foi este do TGV nas eleições de 2009? Não haveria mais nada de importante para debater?”, ao que a minha filha responderá “acendam ao blogue do movimento SIMplex, um dos movimentos mais representativos da Nova Arrancada de início do século, e aonde escrevia aquele primeiro-ministro, de seu nome João Galamba, que ficou conhecido passados alguns anos como o novo Fontes Pereira de Melo, e talvez percebam alguma coisa”).
Desde que Manuela Ferreira Leite pôs em causa o timing da construção do TGV (ela não é contra o TGV mas contra o TGV no actual cenário e momento económico, embora este pormenor não seja particularmente interessante para quem viva da deturpação), abriu as portas para o segundo tema de conversa, imposto pelo PS mais uma vez num assomo de seriedade política e de renúncia à demagogia: o carácter salazarento, retrógrado, conservador, de extrema-direita, de Manuela Ferreira leite. Mas não pensem que foram, ou são, só os socialistas a ter achaques por causa do TGV. Ontem, à conversa com uma amiga minha, de esquerda mas que nunca na vida votou PS, descobri que também ela e mais gente da esquerda não-PS acha o TGV «importantíssimo». Juram que o TGV, enquanto investimento do Estado (e ela acha que só o Estado pode injectar dinheiro na economia e «puxar» pelo país), vai criar riqueza e permitir que Portugal não fique «fora da Europa» («não ficar para trás» ou «não ficar fora da Europa» equivalem-se e disputam o lugar de argumento mais sólido e insofismável sempre que se discutem as razões de determinada opção estratégica que envolva o severo e venerável futuro do país). O que a minha amiga e o Dr. Luis Nazaré e o senhor primeiro-ministro não conseguem explicar é porque razão, sendo o TGV um investimento tão estruturante, em quatro anos e meio nem uma pedra se tenha lançado na construção da linha de alta velocidade. Mistério. Mas seja como for, esta visão não deixa de ser paroquial e provinciana. O ordem de prioridades que vai na cabeça desta gente faz lembrar a estrutura mental de um novo-rico: pode não saber escrever uma linha de português, pode não saber comportar-se à mesa, pode ser obeso e ter problemas de saúde por comer de forma desregulada, pode ter os filhos com problemas no ensino, pode bater na mulher, pode não saber distinguir um Picasso de um Velásquez, pode nunca ter ido a Paris, Londres ou Nova Iorque, pode não perceber nada de nada mas ahhhhhhh! tem um Ferrari! Esta gente, que adora andar de TGV quando vai «lá fora», terá a noção do que se passa no seu país? Querem falar de comboiozinhos? Vamos a isso. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Covilhã: 8 horas e 2 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Portimão: 6 horas e 10 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Castelo Branco: 6 horas e 30 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Évora-Figueira da Foz: 7 horas e 17 minutos; número de partidas: 2. Duração actual de uma viagem de comboio Faro-Elvas: 8 horas e 51 minutos; número de partidas: 1. Get the picture? Não acham, portanto, ofensivo e absolutamente cretino falar-se do TGV Lisboa-Madrid desta forma? É esta a prioridade em matéria de mobilidade e transportes que preconizam para o país? Saberão em que país vivem e que carências estruturais ainda enfrenta em 2009, que o impedem de ser um país coeso e minimamente apelativo para as empresas e os cidadãos se fixarem, seja no litoral ou no interior? Querem um Ferrari? E que tal começarem por arrumar a casa?
Creio que o TGV se tornou num assunto mais emocional que racional. Todas as pessoas que se pronunciam, fazem-no sem verdadeiramente se questionar o que é e como é o TGV e a rede ferroviária nacional. Assim, pergunto:
1. Com a bitola portuguesa actual (igual à espanhola mas diferente da de todo o resto da Europa, (des)graças a Napoleão), será possível criar uma rede ferroviária aberta a todos os comboios europeus, de forma a termos competitividade externa na drenagem dos nossos produtos?
2. Não seria boa ideia transformar (melhor dizendo, ir transformando) todas as linhas portuguesas para a bitola europeia (instituída no tempo de Napoleão e que obrigou espanhóis, portugueses e russos a ter uma outra, para lhe dificultar o passo)?
3. A bitola do TGV obriga a que só este tipo de comboios usem estas linhas, ou podem ser usadas por comboios normais (de bitola europeia)?
4. O TGV (e as suas linhas) pode ser utilizado por mercadorias de forma a optimizar o excelente Porto de Sines?
5. Que garantias teremos de que a(s) linha(s) de TGV (ou de bitola europeia) nos dão acesso às restantes linhas europeias?
Francamente, há anos que se "discute" o TGV e, até agora, ainda não vi ninguém fazer ou responder a estas perguntas que, a mim e creio que a muita gente, fariam ter uma percepção melhor do que estamos a falar.