De Pedro Delgado Alves a 23.09.2009 às 13:36
Se um assessor do monarca reinante procurasse criar uma inventona deste teor, beneficiando de um silêncio intrigante e perturbador do rei, os cidadãos não teriam a possibilidade de censurar com o seu voto o comportamento do chefe de Estado, fosse ele parte da trama, conivente, ou meramente (e grosseiramente) negligente.
Se alguma coisa este episódio demonstra, é a vantagem em ter uma Chefia de Estado electiva e, consequentemente, susceptível de ser chamada à responsabilidade nas urnas.
Caro Pedro,
duvido muito da necessidade que um monarca tivesse de criar uma inventona fosse ela qual fosse. Essa é a vantagem, já que o rei não tem facturas ideológicas a pagar e consequentemente o problema de conflito institucional (ou co-habitação ideológica, comum aos regimes republicanos) nunca existirá. E mesmo que, numa hipótese remota e delirante o fizesse, a assembleia - que é quem limita e consagra os poderes do Chefe de Estado numa monarquia parlamentar - poderia sempre penalizá-lo, levando-o mesmo à abdicação. A assembleia é eleita por sufrágio directo e universal - por todos, portanto. O Chefe de Estado continua sempre a responder perante o povo. E isso já foi consagrado desde 1688 em Inglaterra (ou já enunciado na Magna Carta de 1215).
De Pedro Delgado Alves a 23.09.2009 às 14:50
Uma crença mágica na desnecessidade de um monarca adoptar um comportamento censurável não é suficiente para demonstrar a necessidade de mecanismos de controlo e responsabilização política através do voto dos titulares de cargos políticos.
Para além disso, a responsabilização pelo exercício de funções não deve ficar reservada para casos "remotos e delirantes" conducentes a uma penalização extrema através da abdicação ou deposição. O verdadeiro soberano (o povo) deve dispor da faculdade de julgar a qualidade do exercício de funções regularmente, e substituir quem as exerce quando insatisfeito.
Finalmente, a independência do chefe de Estado monárquico não passa de um mito - os chefes de Estado não passam de seres humanos iguaizinhos aos demais, cujos antepassados, provavelemente, tinham mais jeito com a espada ou carisma do que os restantes. Daí não se retira qualquer impermeabilidade a pulsões ideológicas, partidárias ou de outro teor. Basta recordar Balduíno e a recusa em sancionar a lei que despenalizou a IVG na Bélgica para constatar que a tal garantia de isenção do rei se pode esfumar de um momento para o outro.
Mal estaríamos se os reis não fossem humanos e portanto com opiniões próprias. Ainda a propósito de Balduíno, quando perguntaram a Juan Carlos se iria assinar a lei que legalizou o casamento homossexual em Espanha este respondeu:«Eu não sou o rei da Bélgica». E outros casos há - a rainha Beatriz da Holanda, o rei Jorge VI da Grã-Bretanha, a intervenção decisiva do rei espanhol na manutenção de uma ainda ameaçada democracia numa multi-nação como a Espanha - que quer-me parecer não seria possivel ter sido feita por alguém eleito por uma facção ideológica. Não somos anjos nem governados por anjos, já se dizia nos Federalist Papers. É por isso que até os monarcas não estão acima da lei e são efectivamente fiscalizados.
O Chefe de Estado não eleito é limitado pelo povo numa monarquia moderna, quer queira ou não. É também um cidadão, que tem uma mais-valia de representar uma continuidade. É esta a clivagem decisiva: quem acredita nessa representação ou não. E nisso poderíamos estar horas que uma vez decididos nunca nos iríamos encontrar.
O caracter não electivo do chefe de Estado não é razão de menorização da soberania popular e muito menos dos direitos de cidadania de quem vive numa monarquia. Escuso de dar os exemplos do costume, da Noruega ao Canadá. Mas posso dar o e uma república: a Alemanha, onde o presidente é eleito colegialmente.
O rei não é independente no modo de pensar porque não é de papel; mas tem um poder que nenhum presidente alguma vez terá - o de dizer 'não' a quem bem lhe aprouver.
De Pedro Delgado Alves a 25.09.2009 às 13:01
Caro Nuno,
Não pretendia discutir os "bons reis" e a medida em que contribuiram positivamente, como em Espanha, para, entre outras coisas, o enraizamento da democracia. O que pretendendo demonstrar, contrariando a afirmação do post, é a fragilidade acrescida da instituição monárquica, cujos mecanismos de responsabilização do Chefe de Estado são muito mais escassos.
Não esqueça que, mesmo nas monárquias constitucionais, o princípio continua a ser o da irresponsabilidade política do monarca, na lógica da máxima britânica "the king can do no wrong".
O resto do debate em torno da instituição monárquica levar-nos-ia longee e o Nuno já o inidicia em parte chamando à colação a estabilidade da representação do Estado e eu poderia começar a argumentar em torno da democraticidade da opção pelo chefe de Estado não eleito e do respeito integral pelo princípio da igualdade.
Mas o essencial da nossa conversa era outro: o Nuno sustenta que uma monarquia seria imune a um episódio destes, eu continuo a achar que não o seria, e que os mecanismos para reagir seriam ainda mais débeis.
De resto, cheira-me que continuaremos a conversar sobre esta temática.
Um abraço
De Ega a 23.09.2009 às 14:15
Confesso que não percebi nada da sua história. Tem muitos «ses» e «papões» e reis maus e faz-me lembrar que se não for um conto para crianças, os belgas, holandeses, britânicos, noruegueses, suecos, ... são todos uma cambada de masoquistas.
Ah! e os espanhois também.
De Pedro Delgado Alves a 23.09.2009 às 14:53
Um pouco na linha do comentário anterior, o que o Ega parece sustentar é que aparecimento de um rei mau é coisa que não pode acontecer, pois os reis são bondosos e estão preocupados com o bem estar dos seus súditos - os presidentes é que são capazes de malvadezas.
E depois sou eu que faço lembrar contos para crianças...
De Pedro Delgado Alves a 23.09.2009 às 14:55
Falta um "d" em súbditos
De Ega a 23.09.2009 às 19:06
Meu caro: Quanto a gralhas... com a pressa com que escrevo, sou eu o maior galheiro, perdão «gralheiro».
No mais: o «rei mau» realmente não existe. A sua posição, vistas as coisas, é de tal maneira precária que não se pode dar a esse luxo.
Evidentemente, leva uma idade inteira de preparação para não incorrer nesse erro.
Ou seja: a única critica válida que encontro válida contra a Monarquia é de uma psicóloga: então o futuro rei, como ser humano, não terá a liberdade de errar como qualquer congénere?
A resposta política é: não !
Por isso sou monárquico, mas nunca seria monarca. Deve ser uma vida lixada. Não invejo de maneira nenhuma a existência de um rei. Ele não é servido: serve. E eu sou egoista q.b.
Cumprimentos.
De Pedro Delgado Alves a 25.09.2009 às 12:46
Caro Ega,
Apesar do que escreveu, penso que continua no domínio do salto de fé. Se politicamente o rei não pode falhar, tal não significa que efectivamente não o faça, e que não o faça clamorosamente, por mais esmerada que tenha sido a sua educação. Pode não se poder dar a tal luxo, mas ainda assim teimar em fazê-lo e provocar dificuldades políticas sérias à sociedade política da qual deveria ser um garante (veja-se Constantino II da Grécia para um caso mais recente).
E ainda que não falhe clamorosamente, e ainda que seja um monarca assim-assim, decentezito, lá ficará o soberano privado da possibilidade de escolher um Chefe de Estado melhor (ou pior) quando o mandato expirar.
E isto sem entrarmos na discussão principal em torno da instituição monárquica que é a da sua incompatibilidade com o integral respeito pelo princípio da igualdade, mas isso são outros quinhentos...
Caro Ega
Também há Reis maus... Tem sempre que considerar esse cenário!
De Ega a 23.09.2009 às 19:11
Caro Tiago:
Pois há. Actualmente abdicam. Antigamente eram corridos. Veja na nossa História: D. Sancho II, D. Afonso VI, D. Pedro IV/ D. Miguel.
Acrescento a Leonor Teles e o episódio da realeza de D. João I.
Sabe quem os mandava embora? O Povo. A ele cabe a 1ª e última palavra, sempre. Ele decidirá, se quiser, voltará ou não a Monarquia.
Eu, entretanto, vou ficando de consciência tranquila quanto a isso. Nada pretendo impor.
De O Falso Rei das Pampas a 23.09.2009 às 20:51
Aos reis, por vezes acontece ser preciso dar-lhes cabo do canastro, como foi o caso do D. Carlos, que se meteu a governar em ditadura por intermédio do João Franco
De Ega a 23.09.2009 às 21:27
Meu caro:
Peço-lhe encarecidamente que se esclareça acerca do que era o tal governo sob ditadura.
Acredito que vai ter uma surpresa.
A comparação exacta é com os governos Nobre Costa/ Mota Pinto / Pintassilgo.
Era uma ditamole.
De Ega a 23.09.2009 às 22:07
Post.scriptum: recomendo o «Liberalismo Constitucional - O Pensamento de Luis de Magalhães» de Luis Lois, «O Poder e o Povo» de V. Pulido Valente», «D. Carlos», de Rui Ramos e a »História de Portugal» de Veríssimo Serrão.
Desculpe lá - sou do tempo da pena de pato e dos rinques de patinagem. Link's para mim é chinês...
De Pedro Delgado Alves a 25.09.2009 às 12:51
Caro Ega,
A comparação que sugere não está de todo correcta.
Os 2 primeiros governos de iniciativa presidencial morreram no Parlamento, que contrariu a vontade do chefe de Estado (o primeiro nem sequer deixou de ser de gestão), o de Pintassilgo foi nomeado apenas como caretaker até às eleições de 79. Em qualquer dos casos, o Presidente não levou a sua adiante.
O consulado de João Franco, por seu turno, tornou-se patologicamente ditatorial no sentido moderno a partir do momento em que, dissolvidas as Cortes, não voltaram a ser convocadas por largo período de tempo, não havendo que escrutinasse a acção governativa. É certo que o governar em "ditadura" era prática do nosso sistema constitucional do final do século XIX, "limpando-se" as decisões com um bill de indemnidade logo que as Cortes fossem instaladas, contudo, no caso de Franco, a ausência do regresso das Cortes ditou o carácter anormal da experiência.