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Que amor não me engana

por Pedro Marques Lopes, em 26.02.07

O Rodrigo tem razão: José Afonso merece ser lembrado. Foi, na minha opinião, o maior musico, compositor e letrista português de todos os tempos.

Misturar a sua genialidade com lutas políticas é insultar a arte em geral.

Quem costumava insultar e desmerecer os artistas pela sua posição política era a esquerda. Ficaria preocupado se a direita estivesse a herdar esses tiques totalitários.  


Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia

E as vozes em barcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se a partam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De Rodrigo Moita de Deus a 26.02.2007 às 20:07

"Misturar a sua genialidade com lutas políticas é insultar a arte em geral." Concordo Pedro! Concordo!

Toda a América Latina
Se lembra das suas farras
A mesma tropa domina
A mesma tropa domina
Só um é embaixador
Mas nada nos abalança
A dormir sobre a calçada
Faz como o trabalhador
Dorme sobre a tua enxada
Faz como o atirador
Dorme sobre a espingarda

Os fantoches de Kissinger, letra e música de Zeca Afonso
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De Bernardo Pires de Lima a 26.02.2007 às 20:51

Desculpa Fato, mas o maior chama-se Jorge Palma e não precisa de coliseus cheios de tropa fandanga, terroristas e nutricionistas com bombas debaixo das saias.
Grande abraço
BPL
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De Nuno Miguel Guedes a 26.02.2007 às 21:17

Caro Pedro, o meu private Zeca Afonso também é outro: chama-se José Mário Branco, tem uma poética indomável, uma sabedoria musical auperior ao resto, uma vontade de continuar por si e pelos outros (Gaiteiros de Lisboa, Camané) e uma dignidade teimosa em permanecer no lado errado da barricada. E bastava ter escrito isto, do Ser Solidário:«fazer de cada perda uma raiz/e improvavelmente ser feliz».
Isto, meu amigo, é definitivo.
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De André de Soure Dores a 27.02.2007 às 01:33

Não se pode, ou melhor, não se deve ajuizar ou analisar um escritor ou um poeta exclusivamente pelas suas posições políticas. Pode discordar-se ou concordar-se com esta ou aquela posição política expressa a dada altura ou em determinada letra, poema ou texto por este ou aquele autor. Expressar uma opinião sobre a sua obra literária, poética ou musical é democraticamente aceitável e saudável, mesmo que haja alguma miscelânea com posições políticas, muitas vezes introduzidas ou induzidas pelo próprio autor. Admito perfeitamente que certas criações no campo da arte tenham subjacentes posições políticas. Não têm necessariamente de deixar de ser arte por isso, nem são eminentemente arte por esse mesmo facto. Exemplo de tudo isto é, em minha opinião, Sophia de Mello Breyner Andresen (SMBA ). Escreveu poemas como:

"CAXIAS 68

Luz recortada nesta manhã fria
Muros e portões chave após chave
O meu amor por ti é fundo e grave
Confirmado nas grades deste dia

Fevereiro de 1968"

ou,

"25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"

ou ainda,

"REVOLUÇÃO

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

27 de Abril de 1974"

Eu, insuspeito de ter ou de ter tido posições conotadas ou enquadráveis com as designadas esquerdas políticas, considero SMBA das melhores, se não mesmo a melhor escritora/poeta do Portugal contemporâneo (e não só). Não é por ter sido a autora dos poemas que transcrevi que deixo de manter a mesma opinião. Foi a criadora de outros absolutamente sublimes e inigualáveis, não me atrevendo a citar nenhum pois são imensamente maiores em quantidade e em qualidade do que aqueles que acabo de citar. Arte e Política não são incompatíveis nem duas linhas obrigatoriamente paralelas. O Ser Humano (e o criador que neste grande grupo se inclui) não é monolítico, é possuidor de características e de qualidades diversas, podendo elas passar pelos universos artístico e/ou político ou por nenhum deles. Podemos e devemos ter posições políticas e preferências artísticas. Agora não ter nenhumas é que é grave e sintomático.
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De Anónimo a 27.02.2007 às 02:07

O Senhor Pedro Marques Lopes (que nos dias de Entrudo também usa o nome de Lola Montes) preocupa-se com o facto da "direita" não gostar do Senhor José Afonso que considera o melhor músico, compositor e letrista português. A "direita" não se preocupa com o facto do Senhor Marques Lopes gostar de ouvir José Afonso. A "direita" só se preocupa com o facto do Senhor Marques Lopes se preocupar com a "direita".
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De Daniel MP a 27.02.2007 às 12:48

Eu já me fico por esta cândida e pequenita alegria de saber que no dia em que a arte de JMB for por aqui rasteirada, à força de pau de bandeira de plástico, não serei o único a ponderar comentar ou não comentar.

Arte e Humor, quando atentas da frisa da Política são com esta companheiros de caminho. Arte e Humor, quando vislumbradas lá dos galinheiros da Partidarite é escárnio e cacetada para todos, nós e eles, nada de digno se deixa fixa nas feridas empoeiradas e no vapor do suor.

(No entanto, sempre se afirme que já por aqui li críticas de frisa)

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