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Personagens:
• Simão, 9 anos
• Eu
Cenário:
Recomeçaram as aulas de música. Ao fim da tarde, vejo o Simão entrar em casa, cabisbaixo, [surpreendentemente] pouco falador, depois da primeira lição de piano deste ano.
Estranhando, pergunto-lhe:
Acção:
– A aula correu bem?
– Sim, correu – responde desanimado.
– O que é que estiveram a fazer? – Interrogo para tentar entender o motivo de tal desmotivação.
– Tivemos de tocar uma música para a professora perceber o que ainda sabemos. – E, depois, como se aquilo o estivesse, ali, a entalar, acrescenta: – Tenho uma colega nova. Russa.
Eu repito entusiasmada:
– Tens uma colega nova russa???! – E, curiosa, quero saber: – E o que é que vocês tocaram?
Ele responde resignado:
– Eu toquei o Balão do João. Ela... – suspira profundamente – tocou Bach.
Caro p D s,
a ironia, como toda a gente sabe, é (numa definição grosseira) uma forma de transmitir uma mensagem dizendo as coisas ao contrário. Mas também toda a gente sabe que, por vezes, não é fácil “atingir” a distância que há entre o que foi dito e o que realmente se quer dizer, muito menos com uma única frase - isolada de tudo o resto. Quando vemos a cara de quem diz a ironia, quando conhecemos o estilo de quem a escreve, não precisamos de mais do que uma simples frase para perceber se é ironia ou não. Aqui no caso, eu não vi a sua cara, eu não conheço a sua maneira de ser, eu não conheço o seu estilo de escrita, eu não vi contexto (falo de texto escruito por si, não me refiro ao texto “Simão, o Aprendiz de Intelectual”), logo não percebi que era ironia. Pode ainda argumentar que eu devia ter visto que se está a falar da Rússia, de uma criança/adolescente e não da URSS e/ou de um senhor com idade para ser meu avô e por aí fora, sem dúvida. Mas aí era preciso pensar num “montão” de coisas para se perceber a ironia. Se a ironia, para ser uma figura de estilo bem aplicada, não deve ser óbvia, também não deve ser rebuscada.
Quanto a Bach ser comparado ao circo. Não me julgue assim tão ignorante (sou-o, mas nunca fui dada a exageros). Apesar de não ter destreza para tocar “O Balão do João” (o Simão é um herói para mim mesmo que “só” saiba tocar isto), ainda sei distinguir cantatas de Bach do circo, seja ele da forma como nós o conhecemos nos dias de hoje, seja da do tempo do Império Romano.
Como eu pensava que estava mesmo a defender o comunismo, pensei que o circo (o entretenimento em geral, não a música de Bach) pode ser bom quando se tem o que comer, quando se tem a liberdade e por aí fora, mas que não tem qualquer interesse quando falham coisas que são, pelo menos no meu entender, mais importantes do que qualquer composição do senhor russo que é mencionado num dos filmes da Marilyn Monroe. O senhor não me conhece, no entanto, se conhecesse, iria saber que eu gosto muito de música, mas que prefiro ter a barriga cheia e poder falar sem medo de estar a ser mal entendida.
Só que... lá está... como eu não vejo um boi... faço aqui o “mea culpa” e peço desculpa por o não ter entendido.
Agora o que eu não entendi mesmo, mesmo foi os seus primeiros parênteses: se era ideologias à parte e esquecendo as piadas irónicas (que eu não tenho capacidade para entender), porque continuou a escrever? Escusa de responder, esta é uma pergunta retórica, outro recurso estilístico muito usado na literatura, e não só, desde o tempo dos Romanos.