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Diz a alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 48/2007 que compete ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro”.
É óbvio que o presidente do STJ só concederá a dita autorização se existirem indícios da prática de factos com relevância penal. Caso contrário não as autorizará, e bem.
O problema é quando os referidos indícios apenas existirem, como parece suceder no caso Face Oculta, em conversações telefónicas, previamente autorizadas por um juiz de instrução, nas quais o Primeiro Ministro participou de forma fortuita (ou seja, em processos onde o suspeito seja um terceiro – Armando Vara – e o PM se converta em objecto indirecto da escuta), já que não se pode, por natureza, colocar a questão de se dever ter obtido prévia autorização do presidente do STJ.
Quer dizer: por um lado a lei diz que as escutas ao PM são nulas se não forem previamente autorizadas pelo presidente do STJ, mas, por outro, o presidente do STJ nunca poderá autorizar essas escutas porque obviamente não pode saber ou imaginar com quem um determinado suspeito ou arguido resolverá de futuro falar.
A isto se chama pescadinha de rabo na boca.
É claro que esta lamentável situação nunca teria sucedido se o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição (“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”), fosse correctamente incorporado nas nossas leis, as quais apenas deveriam sujeitar a escuta de determinados titulares de cargos políticos a um regime excepcional quando estes fossem directamente suspeitos da prática de actos penalmente relevantes.
Pelo contrário, não deveria ser difícil perceber que uma lei que comina de nulidade uma conversa telefónica, ainda que a sua escuta tenha sido previamente autorizada por um juiz de instrução, apenas porque na mesma foi fortuitamente envolvido o PM, é de conformidade constitucional muito duvidosa, como o Carlos, de resto, já prenunciou.
Só para se ter uma ideia, no quadro actual, o PR, o PAR ou o PM podem confessar numa conversa telefónica a prática de um crime de homicídio, que a escuta é nula, mesmo que tivesse sido previamente autorizada por um juiz. E todos sabemos que as escutas telefónicas são um modo privilegiado de assumpção de actos criminosos.
Obviamente, nada disto perturba os positivistas de pacotilha cá do burgo. Quando muito, as suas conveniências.
Por isso, como o caso deverá ter o fim habitual, lembrei-me desta música francesa, dos anos 30 do século passado, que retrata bem o estado em que encontra o nosso Estado