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Tout va tres bien, Madame la Marquise

por Rui Crull Tabosa, em 11.11.09

 

Diz a alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 48/2007 que compete ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro”.

É óbvio que o presidente do STJ só concederá a dita autorização se existirem indícios da prática de factos com relevância penal. Caso contrário não as autorizará, e bem.

O problema é quando os referidos indícios apenas existirem, como parece suceder no caso Face Oculta, em conversações telefónicas, previamente autorizadas por um juiz de instrução, nas quais o Primeiro Ministro participou de forma fortuita (ou seja, em processos onde o suspeito seja um terceiro – Armando Vara – e o PM se converta em objecto indirecto da escuta), já que não se pode, por natureza, colocar a questão de se dever ter obtido prévia autorização do presidente do STJ.

Quer dizer: por um lado a lei diz que as escutas ao PM são nulas se não forem previamente autorizadas pelo presidente do STJ, mas, por outro, o presidente do STJ nunca poderá autorizar essas escutas porque obviamente não pode saber ou imaginar com quem um determinado suspeito ou arguido resolverá de futuro falar.

A isto se chama pescadinha de rabo na boca.

É claro que esta lamentável situação nunca teria sucedido se o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição (“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”), fosse correctamente incorporado nas nossas leis, as quais apenas deveriam sujeitar a escuta de determinados titulares de cargos políticos a um regime excepcional quando estes fossem directamente suspeitos da prática de actos penalmente relevantes.

Pelo contrário, não deveria ser difícil perceber que uma lei que comina de nulidade uma conversa telefónica, ainda que a sua escuta tenha sido previamente autorizada por um juiz de instrução, apenas porque na mesma foi fortuitamente envolvido o PM, é de conformidade constitucional muito duvidosa, como o Carlos, de resto, já prenunciou.

Só para se ter uma ideia, no quadro actual, o PR, o PAR ou o PM podem confessar numa conversa telefónica a prática de um crime de homicídio, que a escuta é nula, mesmo que tivesse sido previamente autorizada por um juiz. E todos sabemos que as escutas telefónicas são um modo privilegiado de assumpção de actos criminosos.

Obviamente, nada disto perturba os positivistas de pacotilha cá do burgo. Quando muito, as suas conveniências.

Por isso, como o caso deverá ter o fim habitual, lembrei-me desta música francesa, dos anos 30 do século passado, que retrata bem o estado em que encontra o nosso Estado

 


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De Luis Vicente a 11.11.2009 às 17:51

Oh RCL, o seu argumento é fantástico! A lei diz que as escutas ao PR , ao PM e ao PAR são nulas se não forem autorizadas pelo STJ. E você diz que é impossível que este dê autorização porque se está a escutar um outro cidadão que por acaso fala para o PM...

Ou seja, até viola um princípio prévio que deveria ser óbvio e que se aplica a toda a gente, não apenas ao PR, ao PM e ao PAR. Se você escuta alguém por suspeitas de um certo crime, essas escutas não foram autorizadas para outras pessoas nem para outros crimes! Senão, basta pôr alguns portugueses sobre escuta e rapidamente podemos engavetar a malta toda que alguma vez tenha tido vontade de ir aos cornos a alguém seu conhecido, por ex. Bastaria uma autorização de um juiz num processo e todos estaríamos lixados.

Seria ainda melhor do que a ex-RDA ... É isso que você quer? Ou é apenas ódiozinho de estimação ao PM? Troque lá a sigla por PR e Vara por Loureiro e veja se concorda...
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De Rui Crull Tabosa a 11.11.2009 às 18:55

Luis Vicente,
Desculpe, mas não é como diz.
A escuta de qualquer cidadão é sempre possível desde que previamente autorizada por um juiz de instrução criminal, como sucedeu, aliás, no caso concreto e eu, de resto, por várias vezes referi. Não pode truncar o que eu escrevi para alterar o sentido!
Ninguém defende, portanto, escutas ilegais, como é óbvio e a escuta em que o PM aparece não era ilegal porque estava autorizada por um juiz, repito.
Claro que se alguém é escutado e na conversa telefónica fortuitamente uma terceira pessoa confessa ter cometido um crime ou diz estar a preparar a prática de um crime, a escuta deve ser validada nessa parte por um juíz e deve ser extraída certidão para efeitos de abertura de processo autónomo, como bem sabe ou devia saber e fingiu que não sabia.
Isto não tem nada a ver com a ex-RDA, porque as escutas teriam sempre de ser judicialmente validadas e Portugal é ainda, penso, um Estado de Direito...
E não brinquemos com a Justiça, embora essa comece a ser, de facto a especialidade de muitas inteligências comprometidas com a situação.
Finalmente, a questão da troca das pessoas envolvidas. É-me indiferente quem está ou não envolvido porque continuo a entender que a Justiça deve ser cega e que quem comete crimes deve ser punido, seja rico ou pobre, de direita ou esquerda, do partido A ou B. Logo não me atinge com a visão que perfilha.

 
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De Anónimo a 13.11.2009 às 11:06

Desculpe mas você é que não tem razão nenhuma e só é pena que soluções como a que defende sejam por vezes adoptadas pelos nossos tribunais. No entanto, não tenha dúvidas de que a solução que defende não tem qualquer acolhimento nos países civilizados, maxime nos EUA. As escutas "fortuitas", isto é que não tenham a ver com o crime concreto sob investigação que justificou a autorização da escuta, não podem ser usadas noutros processos. Se pudessem seria efectivamente como diz o Luís Vicente. A sua posição é portanto, mais que anti-liberal, totalitária e negadora do Estado de Direito. Peço-lhe por fim que acredite que eu acho o Sócrates muito muito muito muito mau (e já agora que votei na MFL porque acho que era a única com o mínimo de seriedade exigível).
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De Réspublica a 11.11.2009 às 18:17

O interessante do problema claro está é esta ser mais um "alteração casa pia", para evitar escutas como as que ocorreram ao Pres. Jorge Sampaio, mas o mais greve é invalidar escutas que apenas seriam utilizadas contra o outro interveniente e nunca contra o PM, até é giro ver por exemplo o que aconteceria no caso de alguém tentar corrumper o PM honesto e este gravar a conversa para provar a tentativa de corrupção, logo a gravação era invalidade porque ele (PM) não pediu autorização ao STJ.
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De Maria da Fonte a 11.11.2009 às 23:31

Caro Rés

Deixei-lhe as três alíneas que constituem excepção ao Artigo 2º da Nova Carta dos direitos Fundamentais, uns postes mais atrás.

Cumprimentos

Maria da Fonte
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De Anónimo a 11.11.2009 às 18:37

Para evitar futuramente este género de equivocos, proponho que seja implementado pelas autoridades respectivas, um sistema de escuta activa. Exemplifiquemos:
Vara - Está Zé, estás a ouvir;
Zé - Sim, tou tou, o que é;
Vara - É pá óóó Zé, preciso de um favorzito teu;
Zé - Epá és um chato do caraças, o que é que queres;
Escuta activa - Desculpem a interrupção, por favor sr. primeiro ministro, o senhor está nesta conversa enquanto titular do cargo, ou apenas como o Zé;
Zé - Ora que coisa, caramba, claro que  estou no pleno ambito das minhas altas e dignissimas funções;
Escuta activa - Muito obrigado sr. primeiro ministro, esta conversa vai ser apagada, as nossas desculpas pelo incomodo;
Zé - Bom, onde é que a gente ia, ah pois, Armando és um chato do caraças, o que é que queres;
Problema resolvido e justiça para todos.
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De José Barros a 11.11.2009 às 20:32

Acrescentando para demonstração de que a interpretação que aparece nos jornais do referido artigo 11º é inconstitucional por violação do princípio da igualdade:


Imagine-se que Vara e o PM falam ao telemóvel; nisto, concordam que devem colocar o mesmo em "speaker" para um assessor do PM possa intervir na conversa. Todos os intervenientes confessam um crime em que são participantes. 


Na interpretação que os jornais dizem ser a do Presidente do STJ, as escutas são válidas para o Vara, visto que foram autorizadas pelo juiz de instrução. Mais, as escutas são também válidas para o assessor do PM, visto que ele não é uma das entidades referidas no artigo 11º. Já não serão válidas para o PM, visto que não foram autorizadas pelo STJ. Ou seja, os conhecimentos fortuitos obtidos na mesma conversa com os mesmos intervenientes, valem para o assessor, mas não para o primeiro-ministro! Isto é evidentemente absurdo, porquanto viola grosseiramente o princípio da igualdade perante a lei: artigo 13º da CRP. Donde, a interpretação do artigo 11º só pode prever os casos em que o PM seja alvo de um inquérito próprio, já não nos casos em que é apanhado, por acaso, em escutas respeitantes a um outro processo. Só assim se garante um tratamento igual dos cidadãos perante a lei. Na nossa hipótese, um tratamento igual do assessor e do PM. 
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De Rui Crull Tabosa a 11.11.2009 às 21:14

Exacto. O que é verdadeiramente lamentável é que a cegueira, a falta de atenção e, nalguns casos, mesmo a podridão, impeçam tantos de perceber o que eu escrevi e o José Barros também ajudou a esclarecer.
Portugal está mesmo muito doente!
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De Anónimo a 11.11.2009 às 21:53

Para bizantinice, não está mal. Já agora pode dizer-nos quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete.
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De Marquesa de carabás a 11.11.2009 às 21:13

Telegrama via Marconi/ Exmo. Sr.C (stop) Tabosa (Stop)


Agradeço muito seu telefonema (stop) para meu humilde "chalet" stop
Daqui de "donde" estou stop não conseguia saber novidades nenhumas stop
Ainda bem que ardeu tudo. stop
Transmita faxavor stop camara lisboa stop: chalet nº 2973425/09 emparedado e cheio de lixo stop à espera de valorização stop fim da crise stop ou ataque nervos do Costa stop.

Cumprimentos.


Marquesa de Carabás


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De Rui Crull Tabosa a 11.11.2009 às 21:16

Peço desculpa, Sr.ª Marquesa, por me ter socorrido de uma melodia referente a uma saudosa ascendente de V.ª Senhoria, mas pareceu-me adequada ao caso português.
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De Luis Vicente a 16.11.2009 às 10:29

Peço desculpa, RCT e José Barros, mas as leis não exitem para brincarmos com elas. É óbvio que eu acho que o princípio de usar escutas judicialmente autorizadas a A ou B para atacar E ou F por outros crimes que não aqueles em investigação me deixa de cabelos em pé, porque, para mim, é abrir a porta a um regime proto-totalitário (baseado no farisaico princípio que quem não deve não teme pômos toda a gente a temer algo). E isto não tem nada a ver com o Sócrates, mas com cada um de nós.

Mas o problema aqui até é mais específico. O que vocês propõem é apenas uma maneira habilidosa de fingir que a lei que exige autorização prévia do PSTJ às escutas ao PR, 1ºM e PAR não existe. Não vos passa pela cabeça que a solução é simples, e consensual (a não ser para quem quer fazer de justiceiro à força ou odeia tanto Sócrates que se está nas tintas para a lei): o "jiuz de instrução" competente para validar as escutas acidentais ao PR, 1ºM ou PAR é o PSTJ. Só pode ser, é a única solução em que os princípios não são desrespeitados e a lei não é ignorada.

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