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Mário Soares escreveu ontem, no DN, um interessante artigo sobre o centenário da república. Não é especialmente interessante a sua teoria de que entre 1926 e 1974 não houve, em Portugal, uma república. Já conhecíamos esta ideia.
Não, o mais interessante é que o artigo começa por elogiar o presidente da comissão comemorativa do centenário e fá-lo da forma mais inesperada:
"O Governo decidiu - e bem - constituir uma Comissão Nacional para as Comemorações, presidida pelo Dr. Artur Santos Silva, bisneto de um dos heróis do 31 de Janeiro de 1891, revolta militar e civil frustrada que ocorreu no Porto, com a intenção de derrubar a Monarquia; neto de um ilustre médico, várias vezes ministro da I República, Dr. Eduardo Santos Silva, que deu o nome a um dos principais hospitais da cidade invicta; e filho do ilustre advogado e resistente antifascista Santos Silva, de quem tive a honra de ser amigo.
Seu pai foi de resto, ainda, deputado à Assembleia Constituinte, que elaborou a nossa Constituição e estruturou, no plano legal, a actual II República.
O presidente da Comissão Nacional para as Comemorações não podia, portanto, ser mais bem escolhido para as suas funções, para além do seu alto mérito profissional e cívico."
Ou seja, "para além do seu alto mérito profissional e cívico" - que é referido quase como uma nota de roda-pé e sem especificar -, "para além", repito, a razão da escolha foi, "portanto", por ser filho, neto e bisneto de quem é.
A genealogia republicana é, pelos vistos, o elemento qualificador do presidente desta comissão. O seu pai, avô e bisavô chegam, como uma prova de limpeza de sangue ou habilitação de genere.
Ética ou genética republicana? Pobre Artur Santos Silva. Triste república.
Comandante Couceiro, Meu Camarada:
Nunca fujo ao repto dum companheiro de armas. Companheiro de armas na plena acepção da palavra, pois também o Comandante cursou Artilharia na Escola do Exército – carreira que foi a minha, longe embora do brilhantismo com que adornou a sua.
Caro Comandante, creia que me custa estar a esgrimir argumentos com a sua veneranda (mas elidida) figura. Tenho um profundo respeito pelos mortos, em especial por mortos que falam, os únicos que preenchem os requisitos mínimos para inquietar os vivos. No entanto, Comandante, sou obrigado a explicar-me. De 1926 a 1974 vigorou em Portugal um regime erguido segundo o espírito do modelo católico-integralista, com manifestações de autoritarismo profundamente enraizadas na tradição constitucional da Carta oitocentista. Esse regime só formalmente se apresentava como republicano ou, melhor dizendo, republicano-conservador. Nenhum respeito existiu em relação aos valores da República que, como sabe, se abrigam na tríade de palavras Liberdade, Igualdade, Fraternidade. A “república” de 1933 substituiu essas excelsas palavras por Deus, Pátria, Família.
O Comandante foi exilado? Pois foi. Lamento, mas sabe que o Botas não tolerava heresias dentro do seu regime – nem as de cariz integralista-nacional-sindicalista (Rolão Preto), nem as de feição republicanista (Humberto Delgado), nem aquelas em que o Comandante se inscrevia e que melhor do que eu saberá quais eram.
Tudo isto é História, e o Comandante, honra lhe seja feita, já faz parte dela.
Esta rapaziada aqui do blogue fazia bem em se dedicar ao estudo da sua personalidade e dos tempos conturbados em que viveu – mas estão mais interessados em aparecer nos jornais e nas televisões, nas redes sociais da Internet, pensando que esse é o melhor caminho para subirem lá nos partidos e rapidamente se sentarem à mesa do orçamento.
Portanto, já vê, não estou aqui para hastear nenhuma bandeira. Já a hasteei em cinco comissões nos territórios ultramarinos – com todo o respeito pelos povos heróicos contra quem me bati! – e essa bandeira podia ser de qualquer cor, desde que fosse a bandeira do meu País. Porque nós, militares, nascemos para servir a Pátria.
Saúdo-o, Meu Caro Comandante.