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Poupem-me

por Jacinto Bettencourt, em 17.02.10

Contrariamente ao que muito se tem visto, não ponho em causa o dever de informar daqueles que, no Correio da Manhã, entenderam que o blogue simplex actuou como central de propaganda do governo. Muito menos as intenções do próprio director adjunto que, porventura, encontra neste tipo de editoriais a absolvição de actos de absoluta subserviência perante o governo. Ponho em causa, sim, a capacidade que certas pessoas têm para falar daquilo que falam. Vejamos.

  1. Um membro de um gabinete ministerial não é, em Portugal ou em qualquer outra democracia ocidental, um agente administrativo numa relação jurídica de emprego público. Um adjunto e um chefe de um gabinete ministerial são, bem pelo contrário, agentes de confiança política e livre nomeação. Isto traduzido significa que os membros dos gabinete ministeriais são agentes livremente amovíveis, susceptíveis de exoneração a todo o tempo, e cujas funções não têm carácter de profissionalidade. Para quem não percebeu, esclareço: os membros dos gabinetes ministeriais não são funcionários públicos.
  2. Apesar de não serem funcionários, os membros dos gabinetes ministeriais existem, são nomeados e remunerados para desempenharem uma função específica, a qual essencialmente consiste, no nosso Direito e no nosso sistema político, na prestação de apoio ao titular do cargo político (ministro, secretário-de-estado, etc.) em tudo (ou quase tudo) aquilo que o mesmo entender conveniente. Atendendo à natureza dos intervenientes, portanto, um agente político de um gabinete político faz política; um gabinete político sem membros a fazer política trata-se de uma impossibilidade ôntica.
  3. Sabem muito bem os jornalistas, como aliás o sabem também muito bem alguns dos membros deste blogue, que um qualquer adjunto incumbido da preparação discursos está incumbido de tarefas de propaganda, à semelhança de um assessor de imprensa incumbido de falar com a imprensa, persuadir a imprensa, e assim fazer passar uma mensagem política. E porque é para isto que os membros dos gabinetes servem e são pagos, todas estas tarefas são desempenhadas em instalações do Estado, através de computadores e telefones do Estado, em tempo pago pelo erário público (pese embora a relativa indeterminabilidade da coisa, dado que os membros dos gabinetes ministeriais têm isenção de horário de trabalho), e com recurso, imagine-se, a canetas, borrachas e afia-lápis do Estado. É natural que assim seja, e é bom que assim seja: não preferimos todos saber que o dinheiro que destinamos a agentes políticos é gasto com políticos, até porque se trata, certamente, das poucas rubricas do orçamento de Estado cujo destino coincide com o fim proposto?
  4. Esclarecido isto, é evidente que, para além das efabulações de um professor de economia do Norte zangado com os antigos companheiros do simplex e indignado com qualquer coisa que não se percebe muito bem (efabulações que não  posso remeter para o mundo das alucinações irrelevantes do autor na medida em que parecem ter o propósito de difamar, injustamente, o João Galamba), e da justa perseguição a uns poucos anónimos (os Abrantes) que cobardemente actuam na Internet, não existe qualquer notícia. Não é, afinal, inédita ou sequer censurável a relação entre membros de gabinetes ministeriais e bloggers da mesma área política, da mesma forma que não é censurável, seja qual for a perspectiva adoptada, o facto de aqueles membros de gabinetes ministeriais, no exercício das suas funções (recorde-se) disponibilizarem informação destinada a debate político. Muito menos será de censurar o facto de um blogue assumidamente socialista, levantado e organizado para efeitos de uma campanha eleitoral, e cuja generalidade de membros nunca jamais escondeu o que faz e o que pensa, utilizar a mais que natural ligação entre os organizadores para passar informação de natureza política, destinada a fins políticos e que, no fim do dia, acabou divulgada e discutida em blogues. O debate político na blogosfera, a descida à terra dos gabinetes ministeriais, a divulgação de informação, constituem, por regra, os ingredientes do debate político em democracia.
  5. Os Abrantes, diga-se, não passam de uns cobardes, chantagistas, de educação muito duvidosa, a quem desejo (politicamente) muito mal. Infelizmente, nem isto apaga a deprimente estupidez que encontramos na origem desta notícia, ou a bárbara injustiça que através da mesma se comete contra os que, no seu pleno direito, perdem tempo a fazer política.


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De Paulo Pinto Mascarenhas a 17.02.2010 às 18:48

"Os Abrantes, diga-se, não passam de uns cobardes, chantagistas, de educação muito duvidosa, a quem desejo (politicamente muito mal). Infelizmente, nem isto apaga a deprimente estupidez que encontramos na origem desta notícia, ou a bárbara injustiça que através da mesma se comete contra os que, no seu pleno direito, perdem tempo a fazer política."


O problema é esse mesmo, Jacinto, concordo. Quem são os Abrantes? E quem é que é cúmplice deles, do anonimato que mantêm?

Abraço.
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De Nuno Manuel Costa a 17.02.2010 às 21:21

Jacinto,
Ainda bem que existe alguém com bom senso no 31 da Armada.

Abraço.
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De João Pedro Lopes a 17.02.2010 às 22:47

Mesmo com este abençoado frio, sabe sempre bem uma lufada de ar fresco. Bem sei que sou simpatizante do PS, mas às vezes até a mim me aborrece o sectarimo dos blogues do "meu lado". Imaginem o que às vezes não penso deste vosso, que frequento diariamente para eu próprio ir abrindo a pestana.
Semi-brincadeiras à parte, parabéns pelo equilíbrio e honestidade.
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De DBH a 18.02.2010 às 00:06

Muito bom, o teu post, Jacinto.
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De ana a 18.02.2010 às 15:44

A questão levantada pelo CM, a meu ver muito bem, é a a utilização de meios do Estado para propaganda partidária (e manipulação). A forma, os meios e os fins.
É uma questão importante. Muitos leitores do CM não conhecem os meandros da blogosfera. É muito importante saber-se que indivíduos pagos para o desempenho de tarefas governamentais utilizam os meios do Estado (NOSSOS!) para propaganda dum partido político.
É muito muito grave.
Congratulo-me por o CM informar os seus leitores.
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De jb a 18.02.2010 às 17:29

Ó Ana, para que é que servem os adjuntos? Todas as pessoas com dois dedos de testa sabem que os gabinetes ministeriais existem para um só coisa: fazer política. Está na lei, rapariga. Acha grave que eles façam aquilo para o qual são contratados?

Fico honestamente estupefacto com o facto de a Ana conseguir dizer isto e ao mesmo tempo ser capaz de desempenhar as tarefas básicas do dia a dia, como alimentar-se, falar, respirar e ir à casa-de-banho.

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