Chego um pouco atrasada à polémica. Culpa de circunstâncias tão variadas quanto desinteressantes e de alguma hesitação quanto à pertinência ou sequer necessidade de escrever sobre este assunto.
Não vou opinar mais sobre o Dr. Pacheco Pereira, cujo brilhantismo e lisura de carácter me deixam, a cada dia, visivelmente mais impressionada. Não vou sequer manifestar e minha perplexidade ante a grandeza de um homem que, ainda assim, não se permite identificar destinatários para as suas críticas virulentas. (Para que conste, no 31 da Armada somos muitos, mas não fazemos mal a ninguém e eu, enfim, não conto para efeitos de infantaria).
Mas interessa-me, particularmente, a questão do “tratamento cruel, mesquinho e machista”. Ora, se, por um lado, aprecio a crueldade (em matéria de maldade, já tenho defendido a tese de que será sempre preferível a elevação da crueldade eficaz à comezinha pilhagem de galinhas), já a mesquinhez e machismo me indispõem e deixam vagamente mareada.
Contudo não me parece que, neste caso, se aplique uma ou outra qualificação. A mesquinhez (como estreiteza de espírito) e o machismo (como subalternização da mulher) não estiveram presentes nos comentários que fui vendo passar por este blogue. Ninguém questionou ou relativizou o valor da Dr. Odete Santos como mulher ou como deputada. A Dr.ª Odete Santos, como muitos de nós, ao logo do desempenho das nossas funções como profissionais ou cidadãos activos politica, cultural ou socialmente) aceitou o grau de exposição (mediática e ideológica) que estava inerente à participação num programa televisivo. Nessa medida, permitiu conscientemente a difusão da sua imagem e, naturalmente, aceitou o risco dessa mesma exposição. Assim, criticar as ideias defendidas por Odete Santos durante aquela emissão e, acessoriamente, tecer comentários sobre a postura que tenha adoptado nesse mesmo programa é uma decorrência de uma liberdade que a senhora deputada e cidadã exerceu. Não decorre do facto de ser mulher, de esquerda, mais ou menos bonita ou insinuante.
Cavaco Silva, se bem se lembram, foi arrasado com o seu momento Bolo-rei, Jerónimo Sousa mimado por todos os quadrantes políticos pelo seu pezinho de dança, Alberto João Jardim por ter sido apanhado em cuecas por um fotógrafo do Tal & Qual numa troca de roupa num cortejo carnavalesco. Aparecer, meus amigos, é, em larga medida, pôr-se a jeito. E, neste caso, ajeitar a lingerie em frente às câmaras e proferir jargões anti-o-que-quer-que-seja (nesta caso o fascismo) quando não era sequer isso que se discutia é, no mínimo, pôr um pé do lado de lá no que ao decoro diga respeito. Nesta medida, Odete Santos foi alvo de piadas, críticas e algumas graças cuja pertinência, utilidade ou qualidade humorística caberão a cada um dos leitores aferir. Mas não foi nunca posta em causa enquanto deputada (no que à qualidade do seu desempenho diga respeito) e muito menos enquanto mulher.
Isto, meus caros, até para quem, como eu, conhece o machismo de bem perto, é, quando muito, uma espécie de morte social assistida — quer na perspectiva utilitária, quer na perspectiva mediática — que não chega sequer a preencher o tipo criminal do homicídio a pedido da vítima.