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Quando os media andavam desnorteados sobre a forma como vender este nado-morto político que são as eleições presidenciais, inventaram um enquadramento absurdo: Cavaco promulgou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e por isso pôs-se a jeito para perder o voto dos conservadores. A esquerda ainda salivou, como se aqueles que acha que são "os conservadores" fossem a correr para os braços do primeiro cônsul pátrio do Vaticano só porque o Presidente não exerceu um direito de veto cujos efeitos concretos seriam absolutamente nulos. "Conhece o teu inimigo", ensina Sun Tzu - que parece não constar dos hábitos de leitura dos vermelhos da paróquia.
Eu sou conservador e voto Cavaco Silva. Sou conservador porque prezo a ordem. Não uma ordem imposta ou centralizada. A ordem que me interessa é a ordem espontânea, que permite o desenvolvimento civilizado da sociedade com base nas relações livres entre os indivíduos e nas instituições por estes criadas. Uma vez que aprecio esta forma orgânica de progresso, assente na "conversação" entre as pessoas e no desenvolvimento desimpedido das suas "intimações" (cuidado: autor do post sob forte influência de Oakeshott), defendo a política e o governo da comunidade como exercícios limitados, e o Estado como uma construção de intenções modestas. Levado às últimas consequências, um conservador é um ser apolítico - ou mesmo anti-político. A política é sempre um mal: um mal menor, mas ainda assim um mal (mesmo para os que nela participam). E as opções políticas são, por maioria de razão, opções entre vários males. Votar é sempre escolher o mal menor. Só quando percebemos isto podemos dizer que adquirimos uma mundividência adulta e civilizada. Dirão alguns que é cinismo. Mas desde quando é que um adulto civilizado não é cínico? A sério: há algo de bastante embaraçoso - e de esquerda - naquelas pessoas que estão sempre à espera de um político que seja o exacto prolongamento da integralidade das suas ideias - um megafone humano privado. Qualquer direitista terá como certos dois pressupostos políticos: em primeiro lugar - seja ele um cristão personalista ou um individualista liberal -, que não existem duas pessoas com a mesma psicologia, e essa é a premissa fundamental da aversão conservadora ao centralismo estatal; em segundo lugar, que o mundo é o que é, os dados com que temos de lidar são os que existem, e é com eles que temos de fazer o melhor possível. A abstenção é uma solução infantil.
Nestas eleições, tendo em conta os candidatos que a elas se apresentam, Cavaco é o mal menor. É-o a tanta distância dos demais que até parece uma dádiva providencial. Não me traz grande alegria que assim seja. A minha iniciação política fez-se contra o cavaquismo, fenómeno que deu à política portuguesa muito do que detesto: o aumento do peso do Estado, a colonização do dito por um exército de incompetentes partidariamente encartados, a criação de uma "elite" política e económica, nacional e local, a partir de oportunistas da pior espécie, etc., etc. Por muito que custe a muita gente, o cavaquismo foi uma espécie de socratismo avant la lettre (salvaguardando as devidas diferenças entre Cavaco e Sócrates - diferenças de carácter, de currículo académico e profissional, de história de vida). Mesmo sabendo que Cavaco não se confunde necessariamente com o cavaquismo, não tenciono esquecer ou perdoar. Mas o que o homem tem vindo a dizer nos últimos anos há-de valer alguma coisa. E, como diz o Alberto Gonçalves, "apesar dos defeitos, é dos raros políticos nacionais que não enlouqueceram ou nasceram maluquinhos".