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Diz-se que o momento é de impasse e delicadeza. Uma pessoa lê os jornais e os blogs, vê os noticiários, assiste aos debates, e fica com a sensação de que a mais pequena movimentação política pode desencadear turbulências inesperadas e consequências opostas às que se pretendem. Diz-se que as decisões devem ser ponderadas e discutidas à exaustão. Vemos por aí uma hesitação quase patológica, um medo quase paranóico.
Mas a verdade é outra. O momento é de rara clareza e simplicidade: Portugal tem um governo que perdeu toda e qualquer legitimidade material, que violou o seu mandato eleitoral e parlamentar, que provou para lá qualquer dúvida a sua incapacidade para resolver os problemas do país, que alienou a soberania do povo e que não tem o mínimo respeito pela posição institucional que a Constituição lhe confere.
A situação política é insalubre? É, sim. Mas isso não significa que o caminho em frente não seja óbvio: o governo Sócrates chegou ao fim da linha e deve ser substituído.
As últimas eleições legislativas não foram há muito tempo. Todos nos lembramos de qual foi o programa com base no qual o PS as venceu. Este era o governo do TGV e do cheque-bebé, do novo aeroporto e dos milhões adicionais para o rendimento mínimo. Este era o governo que nos vendia uma realidade paralela idílica, falsa, que antes das eleições baixou o IVA e aumentou os funcionários públicos. Este era o governo do investimento público, para o qual a crise seria vencida com mais e mais e mais e mais despesa do Estado, com mais e mais e mais prestações sociais, com mais e mais e mais e mais endividamento. Todos nos lembramos dessa campanha eleitoral. Todos nos lembramos de como Sócrates e o PS tratavam os que avisavam que essa era a receita do desastre: éramos uns retrógrados, uns profetas da desgraça, os inimigos do progresso e da modernidade.
Pois bem: e agora? Agora é o que se vê: mais e mais e mais impostos, mais e mais e mais desemprego, mais e mais e mais desespero. A loucura de Sócrates trouxe-nos à dívida pública mais elevada dos últimos 160 anos e à dívida externa mais alta dos últimos 120. A loucura de Sócrates hipotecou o futuro de uma geração inteira, que provavelmente mais não fará do que trabalhar para pagar impostos para pagar os juros da dívida exorbitante que esse senhor lhe legou. Na sua cegueira ideológica e na sua incompetência, Sócrates conduziu Portugal contra a parede. Lembram-se da cruzada do PM contra os especuladores? Lembram-se de quando a crise da dívida não existia e era apenas uma invenção desses malvados especuladores? Foi há bem pouco tempo.
O que o governo está a fazer agora é o exacto contrário daquilo a que se comprometeu eleitoralmente. É o resultado – aparente – de um banho de realidade. O governo comporta-se como um pirómano que se arrependeu de ter ateado o fogo à floresta e que o tenta apagar sem que ninguém perceba, quando já toda a gente percebeu o crime e os expedientes para o encobrir. Estas medidas de austeridade não são a concretização de um governo corajoso; elas são a antítese do que é governar – são a negação do que é liderar. O governo está encurralado a um canto, remetido a um programa de cortes cegos, sem qualquer ponderação de critérios de justiça, equidade ou sequer oportunidade. Estamos perante uma austeridade inconsequente e sem rumo, e perante um governo deprimido, que tem zero de esperança a dar aos portugueses. Não há um mínimo de espírito reformista, não há qualquer talento e vontade de actuar estruturalmente no peso do Estado. Com tantas promessas quebradas, com tantos erros de análise e previsão, com tantas medidas de emergência falhadas, há muito que o governo desistiu de convencer os portugueses de que os seus sacrifícios valerão a pena.
Este governo é um logro, é uma burla, é uma fraude, é o resultado de uma ilusão bem urdida e de um erro doloso na formação da vontade dos eleitores. É um governo que até a soberania dos portugueses vendeu para salvar a face e que trata o Parlamento como um bibelot incómodo e que deve ser escondido.
E nunca esqueçamos o resto da trágica herança dos anos Sócrates. Por exemplo, quando vos falarem da “geração à rasca”, que quer mais oportunidades para o reconhecimento do seu mérito, lembrem-se que este é o governo dessa elite malfeitora de ruis pedros soares, peões encartados sem um pingo desse mérito, dedicados ao saque o Estado e à usurpação da Coisa Pública. Quando vos falarem dessa nova geração que quer mais liberdade, lembrem-se das conspirações para o controlo da liberdade de expressão, das empresas e dos órgãos de comunicação social.
Eu, como português, democrata e parlamentarista, desejo – exijo – que o Parlamento mostre ao Governo quem manda em quem e quem depende de quem; desejo – exijo – que o Parlamento se dê ao respeito, que renove a sua legitimidade e restaure a sua dignidade. É preciso retomar o caminho da democracia e do parlamentarismo.
É claro que, por muito urgente que seja terminar com esta agonia, não podemos deixar de pensar no que queremos para o dia seguinte.
Não é qualquer governo que valerá a pena. Não valerá a pena um governo que não se regule por regras rigorosíssimas de mérito, competência e transparência sobre a situação do país. Não valerá a pena um governo que não deixe claro que a austeridade se vai manter por bastante tempo. Mas só valerá a pena um governo que confira justiça a essa austeridade, que lhe dê uma razão de ser, que aponte um caminho de esperança, que faça os portugueses perceberem que o país poderá efectivamente ser melhor depois dos anos de restrição. Só valerá a pena um governo arrojado na reforma do Estado e na libertação das pessoas, das famílias e das empresas. E só valerá a pena um governo que lidere pelo exemplo: se quiser promover o mérito, tem de se rodear dos melhores; se quiser impor sacrifícios, tem de exercer o poder com modéstia, comedimento e sobriedade, pensando no país e não nos apetites dos caciques.
Muito se tem falado ultimamente da nova geração. Que está “à rasca”, dizem-nos. Não concordo com muitos dos pressupostos e das soluções dos que se manifestaram na rua. Mas compreendo e respeito as suas angústias, que sei serem verdadeiras. Essa é também a minha geração. Não gosto de me armar em porta-voz de ninguém. Porém, há um segmento específico dessa geração de que falar a este propósito. Há muita gente nessa geração que gosta de política, que é independente no espírito e tantas vezes na militância, que é de direita por ser pela liberdade de escolha e de iniciativa, e que a única coisa que pede ao Estado é que a deixe em paz, para que possa crescer pela força do seu esforço e dos seus talentos.
Se essa gente, como dizem, faz parte da geração que vai dos 24 aos 35, então registemos o seguinte: grande parte dos elementos desse grupo despertou para a política nos anos do cavaquismo, quando a política significava o reforço do Estado, o esbanjamento de dinheiros públicos e a criação das elites do caciquismo. Depois veio o guterrismo: manteve-se o estatismo, o desperdício e a única coisa que foi substituída foram os caciques. Agora, essa geração bate-se com o Sócrates – para o qual já não há palavras. Mas atenção: esta é também a geração que assistiu, frustrada, à grande oportunidade perdida de 2002. Convém que a direita portuguesa perceba que a paciência dessa geração se está a esgotar.
Alguém que lhes mostre que Portugal não acaba com Sócrates, por muito que Sócrates esteja empenhado em acabar com Portugal.