Serviço Público: Nos últimos meses voltámos a recolher os melhores momentos de José Sócrates e do Partido Socialista para fazer o último filme da saga "best of sócrates". Cenas únicas e inesquecíveis dos últimos meses de governação.
Sócrates, um cadáver em trânsito, faz-me lembrar o final da Ópera do Malandro:
O cadáver/Do indigente É evidente/Que morreu E no entanto/Ele se move Como prova/O Galileu
A porta é só para sair, a bem ou a mal. Por vezes, não basta o combate das ideias nem a propaganda nem sequer uma oposição firme. Por vezes, é necessário a mal. Por exemplo, na Espanha (em 1939) após três anos de lutas ideológicas e de guerra civil o balanço foi de cerca de milhão e meio de mortos. No Chile (em 1973) já se evitou a tempo algo semelhante. Na actual Venezuela o resultado ainda é uma incógnita, mas não deve acabar bem. Em qualquer dos casos, o poder socialista instalou-se através de eleições democráticas e fundamentou a sua legalidade no resultado eleitoral. Na Alemanha, aliás, os nazis instalaram-se pelo mesmo processo.
A fractura no eleitorado espanhol é mais nítida que entre nós, porquê? Porque, pelo menos, sabem o que não querem. E nós? Em qualquer outro país europeu (e, digamos, “normal”), há muito que um governo como este teria entrado em completo colapso. E teria arrastado na sua queda o partido que o mantém. E não teria, como nós temos, um P.R . a apelar a uma nova “união nacional”.
Somos o elo mais fraco da União Europeia, na condição de não abanarmos a corrente. (A classe política nem sequer arriscou um único referendo.) E continuamos na cauda da Europa, na condição de não abanarmos muito a cauda. Voltámos a ser uma espécie de banco de ensaio como na época do PREC ? Agora, os peritos económicos e financeiros substituíram os militares “revolucionários”; e os “revolucionários” civis, entretanto, tornaram-se deputados, tecnocratas, ou eurocratas. O maior problema é que da “pesada herança” já só resta um eufemismo curioso: o Banco de Portugal.
Ainda podemos escolher o governo que queremos? Talvez. E graças a um eleitorado transigente, e pouco exigente, a consequência imediata dos últimos seis anos de governação (ou serão dez? ou vinte?) é a seguinte: seja qual for o resultado das próximas eleições, já não somos nós a escolher quando é que comemos bife.