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"Até ao fim, até ao limite..." - dizem-me, incrédulos.
Até ao fim, a família, até ao fim, o trabalho, até ao fim, o serviço público a que se comprometeu.
Mas porquê, mas como?
Mas, diria ela - porque não? Como não?
Pois se tudo o que fez foi porque acreditou, porque se envolveu, porque se entregou - porque haveria isso de mudar, agora que via o fim?
E se o fim não dependia dela, porquê mudar? Em que é que isso alterava os seus compromissos, as suas prioridades, as suas causas?
Parece tão simples...
Escreveu a Zézinha, no início de Março:
"Um dos mais radicais desafios que nos é proposto, é a entrega de tudo aquilo que - ao limite - não depende de nós. Talvez seja esta a chave para as caminhadas mais duras. Uma entrega que não é derrotista, mas confiante de quem sabe que - at the end of the day - não tem nada a temer."
Foi mais ou menos isto que ela me disse, quando falámos sobre a sua doença: a I. e eu, a fazermos força para não nos comovermos - que é como quem diz: para não chorar - e a Zézinha, com a M. L. P. sempre ao seu lado, a explicar como tudo é simples: - "não te preocupes, está nas mãos de Deus".
"Talvez seja esta a chave": quando a fragilidade impressiona, mas ainda mais a fortaleza; quando vemos alguém assim, sem fingimentos nem recatos, assumida e natural, como se nada fosse - como se fosse natural vir a acontecer-lhe o que de mais natural acontece; quando, envergonhados, encontramos consolo em quem gostaríamos de confortar...
Será mesmo assim tão simples, realmente? E será, também, assim tão estranho?
Nos últimos quinze anos estivémos juntos em muitas lutas, várias eleições, referendos, discussões, campanhas. Quase sempre lado a lado, por vezes em lados opostos. Nunca nada mudou. Nem as conversas em sua casa, nem as novidades que me contava sobre os netos, as perguntas sobre a minha vida ou as graças que fazia. A última vez, a fumarmos no vão das escadas de incêndio no Parlamento, foi apenas há duas semanas, enquanto a Zézinha esperava o P. para ir almoçar. E a sua alegria com o último neto, que tinha podido visitar, era contagiante.
Estes últimos meses impressionam (não esqueço a ovação que recebeu na Assembleia pelo seu dia de anos, em Março, em que quase toda a câmara sabia que estava a aplaudir uma vida, e não só um dia). Mas, no fundo, estes últimos meses impressionam porque foram iguais ao resto da sua vida: a trabalhar, dedicada aos compromissos que assumiu.
Desde a sua "primeira oportunidade" que foi um estudo sobre a reforma agrária, a cultura, a MAC, os referendos, a saúde, a toxicodependência, a Santa Casa, a Cimeira Ibero-Americana, a Câmara de Lisboa, o Plano Baixa-Chiado, o Parlamento... tudo apenas exemplos superficiais dos compromissos públicos que assumiu.
O meu testemunho, sobre a Maria José Nogueira Pinto, é a minha consolação: quando a vimos a trabalhar, a Maria José deu-nos o seu exemplo de serviço e rectidão; quando a vi doente, foi ela quem me deu força com a sua entrega; quando lhe disse que rezávamos por ela, respondeu que não era preciso mais nada.
Deus, guarda a sua alma. E Proteje a sua família, que foi a primeira de todas as suas causas.