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As reacções à avaliação da Moody's são a prova de que ela é correcta: fica agora demonstrado, para lá de qualquer dúvida, que a maioria dos portugueses - com um número assustador de políticos e jornalistas à cabeça - não tem a mínima intenção de se confrontar com a dureza da realidade ou, pura e simplesmente, é analfabeto quanto às razões da crise e à natureza da actividade das agências de notação. 

 

As agências cometeram erros que ajudaram à crise dos mercados financeiros? Sim. Actuam em conflito de interesses? Sim, admito que esse conflito possa ser, pelo menos, latente (como acontece com qualquer prestador de serviços que cometa a incúria de ter clientes com interesses conflituantes). Mas, mesmo que o passado recente das agências não seja o mais edificante e mesmo que haja conflitos concretos e verificáveis, há uma pergunta essencial a que ninguém parece querer responder: afinal, que mentira veio agora a Moody's dizer? A pergunta é óbvia mas incómoda, porque a resposta é ainda mais óbvia e incómoda. A verdade é que a Moody's não disse mentira nenhuma.

 

O Estado português tem uma dívida estratosférica e uma economia estruturalmente débil, que não gera produção e riqueza aproximadas aos mínimos susceptíveis de assegurar a sustentação daquela dívida. Tem um tamanho insuportável, que esmaga qualquer possibilidade séria de libertação e crescimento da economia. Perante o eclodir da crise dos mercados financeiros e a pressão consequente que, previsivelmente, ela levaria a que se exercesse sobre as dívidas soberanas dos Estados mais endividados, o Estado português entrou numa espiral de loucura tal, acrescentando cada vez mais dívida sobre dívida, que auto-proclamou a sentença definitiva sobre a credibilidade dos políticos portugueses. Em Maio, o Estado aceitou que não tinha já capacidade para pagar os salários dos seus funcionários, e muito menos o preço do dinheiro que lhe haviam vindo a emprestar. Teve então de pedir ajuda financeira externa, a humilhação suprema de uma Nação independente, sob pena de incumprir as suas obrigações. É claro que o pedido de ajuda externa é, à partida e por natureza, a admissão mais liminar de que quem investir nos produtos financeiros emitidos pelo Estado português verá as suas expectativas de ganho frustradas. Logo nesse momento, não seria nada surpreendente que as agências desclassificassem a dívida portuguesa até ao nível actual. Mas elas até foram moderadas: como a questão estava a ser discutida, de modo colectivo e integrado, na União Europeia - mais a propósito do caso grego -, talvez valesse a pena esperar pela proposta de salvação que se estava a cozinhar. Recentemente, começou a ser evidente que a única solução possível será a reestruturação (seja lá por que forma ou eufemismo for - roll over, haircut, "participação" dos privados, etc.). Ora, a reestruturação mais não é do que o incumprimento. E, portanto, se a solução é a de os investidores não receberem aquilo que lhes prometeram, então é preciso avisa-los disso mesmo.

 

A doutrina maioritária que tenho ouvido por aí é a de que os malandros da Moody's, vindos do nada, sem serem convidados a emitir qualquer pronúncia, resolveram insultar-nos, dizendo que "Portugal é lixo". Só por iliteracia, desonestidade e/ou patrioteirismo bacoco é que se pode aceitar esta treta.

 

Em primeiro lugar, ao contrário do que parece ser a convicção generalizada, o Estado português é que contratou a Moody's (e as restantes agências líderes do mercado) para lhe avaliar a dívida. Sem isso, ficaria sempre virtualmente impedido de aceder ao mercado. Aliás, esta coisa de que agora se fala - uma agência de notação europeia - será sempre vista pelos investidores como uma tentativa de assegurar uma avaliação positiva eterna, ou seja, uma batota em que nunca se vai acreditar.

 

Depois, a Moody's não se referiu sequer a Portugal, mas à capacidade de o Estado português cumprir as suas obrigações, designadamente as de pagamento do preço que se comprometeu pagar pelos empréstimos feitos por quem lhe adquiriu títulos de dívida. Também não disse que esses títulos são lixo. O que disse, em gíria impolutamente técnica, é que eles são um investimento altamente especulativo, existindo um risco elevado de os investidores não lhes verem ser devolvida a totalidade do capital investido e/ou dos juros contratados. Ponto. É verdade que, no jargão dos mercados, esse palavreado técnico é usualmente substituído pelo petit nom "junk"  (que, de resto, até significa "sucata" - um bom negócio); mas daí a dizer que a Moody's insultou os portugueses vai o longo caminho que separa a ignorância do bom-senso. 


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De José Ninguém a 10.07.2011 às 16:46

Sr. Francisco Mendes da Silva, já conquistou aqui um fã! Foi o primeiro comentário sensato sobre este tema que li desde que tudo isto veio ao de cima...  Gostei particularmente da distinção fundamental, mas ainda imperceptível ao povo português actual: "a Moody's não se referiu sequer a Portugal, mas à capacidade de o Estado português cumprir as suas obrigações"... Que abismo de diferença entre as duas coisas!
5 estrelas e um polegar para cima!

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