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Eu também quero jantar com Gabriela Canavilhas

por Jacinto Bettencourt, em 19.01.12

A propósito do que o Rodrigo tem escrito em baixo, acrescento o seguinte:

 

1. Taxas sobre equipamentos destinadas a compensar autores pela designada excepção da cópia privada (i.e., uma excepção ao direito do titular do direito de autor de permitir ou impedir a reprodução da obra) têm origem no direito dos autores a uma compensação justa cuja atribuição é prevista no artigo 5, n.º 5, da Directiva 2001/29/CE (também conhecida por Directiva da Sociedade de Informação).

 

2. A possibilidade de cópia privada, nos países onde a mesma é autorizada, assenta numa presunção: de que a reprodução da obra é efectuada para fins não comerciais.

 

3. Portugal, Holanda, Bélgica, Alemanha, Áustria, Estados Unidos da América, França, Suíça, Suécia, entre muitos outros países, prevêem taxas sobre equipamentos e meios de transmissão e armazenamento. Não deixa de ser curioso o facto deste sistema de compensação ter nascido nos EUA. E a solução legislativa ora discutida Portugal apenas corrige uma lacuna (ou desactualização) do diploma; não inventa nem experimenta nada de novo.

 

4. Se levarmos às últimas consequências o argumento de que a aplicação das taxas em discussão presume indevidamente que os equipamentos e meios se destinam à reprodução de obras protegidas, rejeitando a bondade de tal presunção, a consequência pode bem ser a de os autores não aceitarem a presunção acima referida no ponto 2 e a cópia privada ser pura e simplesmente excluída. É a solução do Reino Unido. Suspeito que não será este trade-off a satisfazer os adversários desta alteração legislativa. 

 

5. Está por demonstrar que os mecanismos de DRM são eficazes no que se refere à compensação dos autores (ou, pelo menos, mais eficazes do que a gestão do produto das taxas pelas entidades de gestão colectiva de direitos). Por outro lado, está mais do que demonstrado de que os Estados europeus não podem continuar a compensar sectores privados (como se prevê, a partir deste ano, em Espanha) por tudo e por nada.

 

6. Diz o Rodrigo, e muito bem, que "só há economia criativa se a propriedade inteletual estiver protegida". Um comentador mal-criado escarneceu, reflectindo o grave problema cultural que este nosso país tem não apenas com a criação mas também com a invenção. É óbvio que não existe criatividade e inovação se o resultado do esforço criativo ou inventor não for remunerado. É óbvio e sabido que tal remuneração é possível através de um direito de exclusivo. É também sabido que o sistema de propriedade industrial, por exemplo, contribui bem mais para o progresso do que a alternativa -- o segredo ou a protecção da obra ou invenção -- na medida em que o registo/protecção permitem a divulgação e publicitação da obra/invenção junto de outros autores e concorrentes. Acrescento ainda, para os que acham que os autores vivem (ou devem viver) da mera satisfação moral que o resultado do seu esforço lhes dá, que no que à criatividade diz respeito, o direito de propriedade intelectual assegura, em primeira linha, ao titular do mesmo, o respectivo direito a ser reconhecido como o criador da obra, direito este que aliás merece protecção constitucional. 

 

7. Bem mais interessante que a mera reafirmação do sistema de compensação de cópia privada que já temos e que a generalidade dos legisladores ocidentais adopta, é, por exemplo, a discussão sobre o acórdão Padawan vs SGAE e a admissibilidade, ou não, da aplicação das taxas em questão na venda deequipamentos que se destinam a uso profissional. Mas isto talvez seja complexo de mais para quem ainda se entretém a defender o sistema de contrafacção e imitação do Vale do Ave...


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De Carlos Novais a 20.01.2012 às 12:51

Terminologia jurídica de lado que varia de ordenamento para ordenamento (primeiro sinal de inconsistência de tal coisa?), quer o direito de autor/copyright  quer a patente fazem parte do que se designa por propriedade intelectual e ambas pretendem atribuir um direito equiparado ao de propriedade, daí o termo  "propriedade intelectual" criando um monopólio artificial por legislação que permite reclamar (até criminalizar) o seu uso  por  terceiros.  


Por hipótese, o "direito de autor" poderia apenas obrigar a referenciar correctamente o autor e nada mais. Ao reclamar muito mais do que isso reclama por um direito equiparado ao da propriedade: terceiros só usam  (equivalente a ocupam na propriedade) nas condições em que deixar e se deixar, etc.


A propriedade sobre recursos físicos existe precisamente por ser escassa e excluir o uso de um em relação a outro, o que conduziria na ausência da ética da propriedade, a conflitos sem resolução e por isso a civilização antes da legislação e do direito formal reconheceu tal regra ética.


Na propriedade intelectual, as qualidades de escassez exclusão não estão presente. 


Dar como prova que a indústria com sucesso consegue que políticos e juristas concordem nos seus avanços e extensão do conceito em interesse próprio não prova da bondade no estrito domínio económico ou da filosofia do direito. 


Qualquer jurista, dado o nível de litígio e conflitos permanentes (com enormes custos) que o tema gera (em especial nas patentes e copyright de software) só pode concluir que se está perante um direito em tudo deficiente.


Existe já muita literatura do lado crítico quer pondo em causa a "utilidade" quer a consistência jurídica.


As ideias, a inovação, a inspiração, surge como um processo  de influência de toda a criação anterior. Parece-me bastante básico (exemplo anterior da revolução industrial).


E isso devia ser o bastante para alguma restrição na tendência para aumentar os prazos e sair do campo do litígio civil  para a criminalização de actos. Mas não, a indústria e os juristas vêm um grande campo de influência legislativa. É o efeito captura do legislador.


A cópia combate-se sim com o prestígio, pela novidade, pelo conjunto serviço e preço (facilidade e serviço incluído de download via Itunes, Amazon, etc), pela disseminação da autoria que conduz a actividades presenciais (conferências, etc.).
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De Jacinto Bettencourt a 20.01.2012 às 22:10

Desculpe, Carlos, mas temos que se rigorosos.
Em Portugal, o direito de propriedade intelectual é distinto do direito de propriedade industrial. No Direito anglo-saxónico as coisas passam-se de forma diferente? Sim. Mas não torna a coisa irrelevante. A propriedade intelectual tutela obras de espírito, entronca nos direitos de personalidade, e nasce com a criação (first to create); a propriedade industrial tutela direitos de exclusivo para utilização industrial e comercial, tem origem no direito industrial e nasce com o registo (first to register). São realidades distintas que têm vindo a ser tratadas como uma só por meros motivos de especialização.


Quanto ao que diz, noto que é o próprio Carlos que dá razão ao argumento que apresentei.


Citando-o:
As ideias, a inovação, a inspiração, surge como um processo  de influência de toda a criação anterior. Parece-me bastante básico (exemplo anterior da revolução industrial).



Se não existisse sistema de patentes, não nos seria possível ter conhecimento do estado da técnica. É esse o mérito do sistema: ao atribuirmos um direito de exclusivo (20 anos, não renováveis) ao titular, o mesmo é obrigado a submeter a invenção a exame, a fornecer uma descrição, a apresentar reivindicações, etc., informação essa que fica de imediato disponível (seja ou não a invenção registada). Não consigo imaginar maior incentivo à divulgação.


Quanto à cópia, esta combate-se penalizando a mesma. O prestígio do autor é irrelevante para a atribuição do direito, e a qualidade e filigrana do mesmo não afecta a tutela que o direito merece. Que absurdo! Mais: era só o que faltavam que o autor tivesse que "conduzir actividades presenciais" para assegurar o que o Estado de Direito lhe deve assegurar. E para que servem actividades presenciais quando a informação circula pela Internet? É suposto um autor português dar conferências no Brasil para merecer algum tipo de tutela? É isso?

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