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Conselho de Ética dá luz verde ao racionamento de tratamentos para o cancro. E, antes que instale a polémica, convém primeiro ler o documento do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). O racionamento de cuidados de saúde existiu e existirá sempre. Sendo o orçamento que os paga um recurso finito, é óbvio que quem escolhe gastar aqui, deixa destapado ali. É por haver racionamento de tratamentos que não existe um serviço de urgência 24h ao virar de cada esquina. Com o custo social de ter que deslocar quem precisa de um serviço de urgência 2-15-20 ou mais quilómetros para ser atendido, sobra dinheiro para que haja vacinas para todas as crianças, por exemplo.
Aliás, o plano nacional de vacinação (PNV) é um bom exemplo de racionamento de cuidados de saúde. Para que uma determinada vacina entre no PNV, é preciso pesar a incidência da doença que ela pretende prevenir, a eficácia dessa prevenção, a possibilidade de tratamento da mesma, com os respectivos impactos para a saúde e 'economia' de cada indivíduo e para a saúde e economia do resto da população. Note-se que é por estas e por outras, que a vacina oral para profilaxia da gastroenterite aguda não entrou no PNV. Trata-se de uma vacina relativamente cara, que, embora eficaz, previne uma doença praticamente inócua para a criança e para os restantes membros da sociedade. Quem quiser pode comprar a título individual, mas o Estado não faz esse investimento.
Infelizmente, estas escolhas feitas nos programas de prevenção nunca foram claras no que diz respeito ao tratamento. Isto é, o tratamento escolhido pelo médico, sendo orientado para aquele doente em particular, é oferecido na perspectiva de se estar a dar o melhor, mesmo que o 2º melhor fosse muito mais barato e fizesse quase o mesmo efeito. Os medicamentos mais recentes, por norma mais caros, por vezes apresentam vantagens mínimas (uma eficácia ligeiramente superior, menores efeitos laterais), mas são tentadores para quem procura dar o melhor ao doente que tem à sua frente. Isto explica em parte porque é que os preços com a saúde aumentam exponencialmente.
A tendência de criar normas de orientação clínica (vulgo guidelines) pretendem inverter este ciclo. Estas normas determinam uma linha de tratamento para uma determinada doença, através de um estudo técnico e de custo-benefício. Vale a pena tratar toda a populaçãode doentes com 2 milhões de euros e ter uma efcácia de tratamento de 98%, quando posso tratar a mesma população com 0,5 milhões e ter uma eficácia de 95%? Vale a pena gastar mais 1, 2, 3 milhões de euros, para diminuir ao tempo total de tratamento, ou para diminuir efeitos laterais como vómitos? E se estivermos a falar da queda do cabelo? Eu não sei. Depende da doença, depende do dinheiro disponível, depende de tantas outras coisas. Como se percebe, estas guidelines têm uma vertente política importante, para qual todos (enquanto sociedade) devemos contribuir. O documento do CNECV abriu a porta para esta discussão. Uma discussão onde só os mais fundamentalistas encontram uma esquerda e uma direita.
joaompinto