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Chegados à noite, já tínhamos indignações várias. Entre elas, a do bastonário da Ordem dos Médicos, que fala sempre que lhe põem um microfone à frente. Tudo que seja retirar poder à caneta dos médicos, ele é contra. Os jornalistas podem poupar-se ao trabalho e poupar-nos ao embaraço. Como médico, permitam-me acrescentar algumas considerações.
Ficou claro pela reportagem da SIC que não se pretende deixar de tratar de ninguém. Como tentei explicar no post anterior, poderá valer a pena apostar num tratamento mais barato, sabendo que a eficácia será menor (98% versus 95%, no exemplo que dei ontem). Obviamente, que os 5% a quem o tratamento não fez efeito terão que avançar para um 2º tratamento, eventualmente o tal mais caro, que não demos inicialmente. Acontece que 2% não responderão a nenhum dos 2 tratamentos. Para estes, avançaremos para 3ªs, 4ªs linhas. Por aí fora, até entrar em tratamentos experimentais. Definir quais são as prioridades dos tratamentos, é uma questão técnica científica e económica. A decisão de quanto temos disponível para gastar é política.
A existência de normas clínicas é uma segurança para o médico. Um exemplo prático (ainda que muito simplista), por cada traumatismo cranio-encefálico (TCE) a única forma de ter a certeza absoluta que não existe fractura é fazer um Rx. Como é insustentável (não só financeiramente, como em termos de recursos físicos e humanos), definem-se prioridades, critérios de quem deverá fazer Rx em caso de TCE? Entram critérios vários, como idade, achados no exame neurológico, etc. Quem não faz Rx poderá ir para casa com uma fractura e ter que voltar ao serviço de urgência por piorar o estado geral. Se o médico tivesse feito Rx, a fractura teria sido detectada antes? Provavelmente sim. Por achar que quer dar o melhor a todos os doentes, o médico pediria Rx a todos? Provavelmente sim, mas é o preço dos recursos finitos. Não podemos culpar o médico que cumpriu as guidelines, como ele próprio não se poderá sentir culpado por lhe ter escapado o diagnóstico.
Aconselho lerem o artigo de opinião do Bruno Faria Lopes. Entre outras coisas ele, aponta outra vantagem para os médicos: «tira dos médicos (formados para fazerem tudo pelos doentes) o peso exclusivo de agirem como gestores hospitalares.» Eu iria mais longe, quantas vezes o médico gostaria de oferecer ao seu doente um tratamento melhor (seja um fármaco, seja um tipo de fio de sutura, seja um exame auxiliar de diagnóstico) e não pode, porque a administração do hospital não tem dinheiro para comprar/substituir o que existe. Pior, naquele hospital não existe, mas o no hospital do vizinho (contribuinte como o doente em causa), já tem. A existência de normas/guidelines obriga que haja um compromisso nacional para dar o melhor tratamento ao maior número de doentes. Por isto, exige que entrem outros agentes na discussão, para além dos médicos, por muito que custe ao sr. bastonário.
Por fim, como disse no post anterior, esta questão não se polariza em direita ou esquerda. O próprio presidente do CNECV foi «designado para a dita por deliberação da Assembleia da República em 2009. Destacou-se aliás no combate pela aprovação da lei da interrupção voluntária da gravidez, da qual foi um dos principais autores.». A esquerda apanhou boleia para atacar o governo (que ao que sei ainda não se pronunciou sobre a matéria), enquanto à direita já soam vozes de que o próximo passo é a eutanásia porque é mais barato. Uma coisa todos parecem de acordo, é preciso cortar no Estado a toda a força, para preservar a sáude dos Portugueses. Opinião que eu felicito. Roubo estas duas frases ao Bruno Vieira Amaral no FB: «Depois das religiões e das ideologias, resta a saúde como valor supremo da nossa sociedade, muito à frente da educação e da justiça. Leiam o artigo devagarinho antes de começarem com a gritaria do costume (Hitler, etc.).»
joaompinto