por Henrique Burnay, em 03.06.07
Aquilo que parece evidente é que o Bloco de Esquerda não é um partido, nem um movimento, nem sequer um grupo animado por uma doutrina comum, ou uma forma de estar na vida. É geografia, é um sítio onde estar, ao sabor do tempo. Enquanto o PC não muda porque existe há demasiado tempo para mudar, porque aquilo que pensa, pensa-o há muito tempo (talvez por isso às vezes se compare – com leviandade, mas percebo a intenção – à igreja. No fundo, por ser institucional na acção e nos procedimentos) – o Bloco é mutação. Não tanto por aggiornamento, mas porque o BE (o da maioria) só faz sentido se estiver up-dated com o ar do tempo. É por isso que não falam de operários, é por isso que se apresentam como sendo essencialmente urbanos, é por isso que há lá mais “gente conhecida” do que no PCP. Ontem alguém dizia que o BE é uma espécie de dissidência dos intelectuais, fartos de aturar o operariado e o campesinato. Claro que também os têm – até têm coisas bem piores (isto é uma brincadeira de linguagem, eu não acho que ser operário ou camponês seja mau, mas à cautela convém explicar, anda por aí muita literalidade – e claro que não será isso, mas percebe-se o argumento: o BE é a esquerda sem o povo de esquerda. É um alívio. O eleitor urbano e burguês – eu sempre quis escrever burguês – vota BE da mesma maneira que separa o lixo: tranquiliza a consciência na convicção que fez o correcto para que o mundo fosse melhor. E de que isso é o suficiente. O pequeno gesto. E é exactamente por isso que o BE e os seus apoiantes são tão moralistas. Eles fazem o correcto. De secessão em secessão, de dissidência em dissidência, eles são sempre o caminho limpo, o bem – não arcam com memórias dos erros, não carregam a história porque se afastaram sempre entretanto (não respondem pelos erros do comunismo, pela Albânia ou seja pelo que for) – e, sobretudo, sabem que aquilo não é bem para levar a sério. Ninguém vai agora nacionalizar a banca, fechar as televisões privadas ou sair da UE. Assim como ninguém deixa de consumir e de fazer lixo. Mas se o separar no ponto verde alivia a consciência. Aposto como a maioria dos eleitores do BE nem sabe o que o BE é, pensa ou tem escrito nos seus textos. O que é uma pena. Seriam muito menos, de certeza.