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Já tinha dito que tinha de mudar de tema nos meus posts

por Augusto Moita de Deus, em 17.04.20

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Cientistas portugueses "provam uma vez mais que Einstein tinha razão"

 

Eu não gosto nada desse tipo de título, quando se fala do trabalho de Einstein. Concordo que tudo o que vier acrescentar à divulgação científica é ganho e entendo que muitas vezes o melhor é deixar passar esta retórica. É um pouco como Feynman dizia, os cientistas parece que têm por vezes que se justificar, dizendo que "esta descoberta pode contribuir para a cura do cancro" (mesmo que seja uma contribuição muito remota) ou que se trata dum avanço importante "para a descoberta da vida noutros planetas" ou algo parecido. Só que a ciência faz-se estudando problemas concretos, não para responder a anseios vagos.

Estar constantemente a repetir "Einstein tinha razão" e frases parecidas desfoca a verdadeira questão e dá a entender que há motivos para duvidar da teoria formulada por Einstein, em particular quando comparada com a Mecânica Clássica (que não é apenas "Newton"). Claro que ele tem razão, nesse contexto, mas alguém duvida?


Naturalmente que estes estudos tentam ver se a teoria da Relatividade Geral (que não é apenas "Einstein") descreve os resultados das observações no sentido de, em caso de não descrever, se poder ir à procura duma teoria mais abrangente, uma que inclua a Relatividade Geral como caso particular, da mesma forma como a Mecânica Newtoniana é o limite da Relatividade para campos gravitacionais fracos. Nesse sentido, alguns em coerência diriam que Einstein deixaria de "ter razão" (como se verificou que não "tinha", em algumas matérias, inclusive em Relatividade, inclusive algumas em que ele próprio fez uma autocrítica). Mas isso seria igualmente uma distorção (trocadilho não intencional). Seria meramente a descoberta de novos factos não abrangidos pela sua teoria, realmente um estímulo para mais investigação na matéria. Em qualquer cenário, pode-se dizer que continuam e continuariam actuais as descobertas de Einstein. E as da Mecânica Clássica também. Ou seja, no caso em apreço, nem Newton está errado, nem a Mecânica Newtoniana está equivocada. A partir de certas condições, pura e simplesmente deixa de ser aplicável. 

Faço uma ressalva: pode ter existido alguma afirmação específica de Einstein quanto a órbitas em roseta vs. elípticas em casos extremos como este (notar que uma das primeiras confirmações da teoria de Einstein foi precisamente conseguir explicar uma similar anomalia na órbita de Mercúrio, para campos gravitacionais já fortes, mas não tão extremos como no caso em análise). Mas mesmo assim, não seria o caso dele "ter razão", como se fosse uma opinião, porque uma teoria não é uma opinião. Quando muito estes resultados constituiriam a confirmação duma previsão teórica, ou a descoberta dum novo fenómeno no âmbito da teoria. Em qualquer caso é um sucesso da coincidência teoria vs. experimentação/observação, que é o que sempre se procura em ciência, e não uma saga pessoal de alguém que tenta provar algo, com o risco do seu trabalho não ser reconhecido, o que sucedeu a inúmeros cientistas (por exemplo Mendel ou Boltzmann), mas não a Einstein.

OK, quando se detectaram ondas gravitacionais pela primeira vez... aí percebo, é algo mesmo novo. No caso da notícia abaixo, há algum carácter excepcional, pois -lá está- pode ser o caso mais extremo em termos de dinâmica dum campo gravítico alguma vez estudado, portanto entendo o destaque ao estudo efectuado e especialmente por cientistas portugueses estarem na equipa. Agora, sempre que se faz uma descoberta em Relatividade Geral, estar sempre a dizer que "Einstein tinha razão" (e às vezes a frase ainda vai mais longe numa suposta desconfiança, ao surgir aquele afinal em  "Afinal Einstein tinha razão") é quase ridículo. É como se de cada vez que se descobrisse um novo elemento da tabela periódica, ali bem localizadozinho na sua posição da respectiva grelha, se dissesse: "Afinal Mendeleev tinha razão". Claro que tinha!

Já tinha dito num post anterior (e, bolas, parece que o cometa Atlas se está a desintegrar) que tinha que mudar de tema. Como Albert Einstein frequentemente fez ao longo da vida. E nisso, como sabemos, Einstein tinha razão.