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John McCain era o favorito a ganhar a nomeação republicana em 2008, depois de ter sido derrotado por George W. Bush oito anos antes. Com uma superfavorita do lado democrata, de seu nome Hillary Clinton, os republicanos viram o seu campo engrossar com candidatos de peso, como o herói do 11 de setembro, Rudy Giuliani, o governador do Massachusetts, Mitt Romney e ainda o antigo governador do Arkansas, Mike Huckabee. No final da primavera juntou-se à campanha Fred Thompson, famoso actor e antigo senador do Tennessee. Nesta primeira fase, McCain fez algo que ia contra a sua natureza: montou uma superestrutura de campanha, como favorito que era, e esperava ganhar facilmente a nomeação.
Mas não foi isso que sucedeu: a campanha de McCain chegou ao verão de 2007 completamente falida e definhava nas sondagens (começou o Outono com 10% nas sondagens nacionais). A sua angariação de fundos não descolava e a sua impopularidade perante a base republicana era enorme, sobretudo devido ao seu trabalho, juntamente com o senador democrata Ted Kennedy para fazer aprovar a reforma da imigração. Nesta altura, os analistas políticos viraram-se para os outros candidatos e declararam como “morta” a sua campanha. Muitos especulavam que poderia retirar-se da corrida a qualquer momento. Mas não foi isso que sucedeu.
McCain reformulou a sua estrutura de campanha, despediu metade do seu staff e fez-se à estrada. Durante vários meses, andou em campanha pelos primeiros estados a ir a votos, sobretudo no New Hampshire e Carolina do Sul, segundo e terceiro e que lhe asseguraram vitórias fundamentais para obter a nomeação. A famosa “Straight Talk Express” andou meses na rua, muitas vezes sem cobertura mediática pois McCain tinha perdido a aura de favorito, mas ele nunca desistiu. Sem mudar uma linha no que defendia, foi apresentar o seu plano aos americanos. Nessa campanha, que tive o prazer de seguir atentamente e onde estive na Convenção de Minneapolis - St. Paul, que o consagrou como nomeado do Partido Republicano, o mundo teve a oportunidade de observar toda a dimensão política, ética e humana de John McCain. A sua imagem, para o bem e para o mal, esteve toda ela espelhada naqueles longos meses que o levaram a ganhar a nomeação e a perder a presidência.
John McCain foi um sobretudo um resistente, alguém que nunca desistiu de defender aquilo em que acredita, mesmo que vá contra os seus interesses políticos. Como se viu na sua opção difícil na época defender a “surge” do general David Petraeus no Iraque (quando era extremamente impopular na sociedade americana) ou ainda o seu trabalho em conjunto com o senador Ted Kennedy para viabilizar a reforma da imigração (e que colocou a base mais conservadora contra ele). McCain, ele próprio um antigo prisioneiro de guerra e torturado pelos seus captores vietnamitas, foi também um intransigente defensor da Convenção de Genebra e lutou contra o “waterboarding” quando a Administração Bush a tentava viabilizar. Tendo sido John McCain um dos autores da reforma do financiamento da vida pública, não aceitou financiamento privado para as eleições gerais, ao contrário de Barack Obama, o que fez com que tivesse feito uma campanha em grande desvantagem financeira em relação ao futuro presidente, pois apenas aceitou dinheiro público.
Mas também alguém que comete erros e que os admite (mesmo que mais tarde): como a sua opção de selecionar Sarah Palin como candidata a VP para acalmar os sectores mais conservadores, quando a sua opção era escolher o seu amigo e antigo democrata Joe Liebberman, candidato a VP com Al Gore em 2000. Mais tarde viria a lamentar não ter seguido o seu instinto, mas também nunca renegou Sarah Palin, apesar do óbvio desconforto com muitas posições desta.
Na noite da vitória de Barack Obama, John McCain mostrou porque razão é, talvez, o maior e mais relevante político norte-americano dos últimos 40 anos, entre aqueles que não chegaram à Casa Branca. Sabe-se hoje que uma nervosa Sarah Palin exigia discursar nessa noite (a total arrepio do que é convencional), mas McCain foi inflexível: ninguém mais discursa. Subiu a palco, agradeceu ao povo americano a oportunidade que lhe concedeu, mas ofereceu os sinceros parabéns a Barack Obama, evidenciando o significado da sua eleição para os Estados Unidos da América. Este é, provavelmente, um dos discursos mais elogiados de sempre de um derrotado à presidência. Ao perder, McCain ganhou o respeito dos seus adversários.
Nos 10 anos seguintes, McCain foi aquilo que sempre foi e que temos lido por toda a imprensa nestes dias: combativo, líder e desafiante. Nos anos Obama, foi um leal opositor do Partido Democrata e apoiante de Mitt Romney em 2012. Durante a ascensão de Donald Trump, foi critico, chegou a declarar o seu apoio quando ele obteve a nomeação republicana, mas por fim, ainda durante a campanha eleitoral, escolheu o país ao partido e “revoltou-se” contra o nomeado e depois Presidente. Numa era em que poucos políticos republicanos escolheram colocar-se no lado oposto de Trump, McCain continuou onde sempre esteve: ao lado do país.
O seu slogan “Country First” esteve sempre presente na sua vida: quando combateu no Vietname, quando foi prisioneiro de guerra e optou por não sair antes do tempo, para não ter privilégios por ser filho de um Almirante, mas também quando foi um dos grandes impulsionadores da normalização de relações entre os Estados Unidos e o Vietname. Durante a sua longa carreira política teve bastantes batalhas, tendo ganho muitas e perdido outras tantas. Foi um dos autores da reforma do sistema de financiamento na política com o liberal senador Russ Feingold. Tentou, por duas vezes e fracassou, aprovar uma reforma da imigração. Combateu os excessos do Estado Federal e era um defensor inflexível do excepcionalismo americano e da sua política de alianças internacionais (como a NATO). Defendeu o intervencionismo externo americano e acreditou no papel de líder internacional do seu país. Por ser um crente no papel benigno dos Estados Unidos, foi nos seus últimos anos de vida um feroz opositor de Donald Trump, pela decência e pela honorabilidade na vida pública.
A sua escolha para discursar no seu funeral diz tudo: os dois políticos que o impediram de ser Presidente: George W. Bush e Barack Obama. Grande John McCain.
*foto tirada por mim em Minneapolis em 2008.