Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Um Espinho de Marfim e outras histórias – Marina Colasanti
“Durante quarenta anos gerou filhos que, ampla e generosa, continuava a abrigar no ventre passado o tempo da gestação. Por que atirá-los no mundo se, mãe, a todos podia conter e alimentar?
Achando porém necessário dar-lhes boa educação, fez quatro vezes o serviço militar para atender às necessidades cívicas dos seus filhos homens, e completou oito cursos de corte e costura para garantir o futuro de suas filhas mulheres.
Já estava quase chegando à velhice, quando a doçura de netos começou a lhe parecer mais desejável do que tudo. Não resistindo, deitou-se enfim no centro da cama e, abertas as poderosas coxas, começou o esforço. Em vão suou lençóis e fronhas, em vão inchou as veias do pescoço. Passadas horas, passados dias em que sem descanso lutava para expelir, compreendeu: por amor e segurança seus filhos se recusavam a deixá-la. Nunca seria avó.
Então a tristeza abateu-se sobre ela. Emagreceram as pernas, emagreceram os braços. Só a barriga não emagreceu, vagando imensa pela casa. Mas a pele se fez cada vez mais fina, e em certas horas da manhã, quando a luz bate clara e penetrante sobre o ventre de opalina, já se podem ver os rapazes garbosos na ordem unida, e as moças que cosem infindáveis camisolas.”
Marina Colasanti in “Um Espinho de Marfim e Outras Histórias”; No Aconchego da Grande Mãe, pág. 109; Editora Figueirinhas.
Este é um dos muitos contos que integram este livro de contos de fadas para adultos.
Outro pode ainda ser lido aqui.
Na campanha de promoção da leitura levada a cabo pela “Fundação para a Alfabetização” no Canadá, e concebida pela agência Bleublancrouge Design, algumas personagens do imaginário infantil – como Peter Pan e Cinderela – aparecem velhos e doentes, no hospital. A causa dos sintomas é o abandono prematuro da leitura. A terapia aconselhada: oferecer livros às crianças. É que estes fazem bem e não têm contra-indicações.
"Amava a morte. Mas não era correspondido. Tomou veneno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração."
Marina Colasanti, em "Um espinho de Marfim e Outras Histórias"; Figueirinhas, 2003; pg. 93.