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uma carta para alguns professores

por Rodrigo Moita de Deus, em 19.11.17

Caríssimos professores indignados das redes sociais,

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O que disse sobre a questão do ensino não é uma opinião. Não é um acho.

Os resultados dos alunos nas escolas públicas são miseráveis. Ponto. E a responsabilidade pelos resultados é sempre de qualquer outra coisa, de qualquer outra entidade. Dos livros, das condições, da carreira, do número de funcionários não docentes, dos pais, do ministério, das colocações e dos telemóveis. A responsabilidade é dos outros nunca é dos responsáveis. E esses são os professores.

É que pelo caminho gastaram-se milhões em escolas novas, atacaram-se as escolas privadas, investiu-se em desporto escolar, na formação e fizeram-se uma mão cheia de reformas do ensino. E os resultados continuaram os mesmos. Ou pioraram. Institucionalizaram e massificaram as explicações. E o que deveria ser um sinal de alerta para a falta de qualidade do ensino tornou-se num complemento salarial. Toleraram e regulamentaram o absentismo tornado aceitável que um professor falhe com o seu dever. Banalizaram os trabalhos de casa na tentativa de responsabilizar os pais pelos resultados dos alunos e até celebraram as greves como um grande feito. Milhares de alunos prejudicados pelos próprios profissionais que os deveriam favorecer.

Mas quando discutimos o ensino em Portugal nunca discutimos o ensino em Portugal. Discutimos o bem-estar da corporação.

Convido-vos a pensarem um pouco fora da vossa caixa reivindicativa. Pensem, por exemplo, no serviço nacional de saúde. Há hospitais privados. E os hospitais privados são mais confortáveis, mais arranjadinhos e têm melhores condições. Apesar disso o Serviço Nacional de Saúde é sempre uma opção. Mesmo para quem tem dinheiro. Porquê? Por causa da qualidade técnica. E os melhores médicos querem sempre passar pelo SNS. Apesar de ganharem menos. Porquê? Por causa da valorização profissional. Ter passado em qualquer serviço do Santa Maria ou dos Hospitais de Coimbra valoriza o médico. Agora comparem com o Ensino Público. O ensino público não é uma opção. É, regra geral, falta de alternativa. Falta de alternativa para todos. Pais, estudantes e mesmo para professores. Em três décadas de borga, reivindicações egoístas e serviços prestados à CGTP este é o vosso legado. Um ensino público falido, decadente e descredibilizado. Bonito serviço. Destruíram a escola pública. Mais ou menos o que as comissões de trabalhadores fizeram na CUF.  

E é escusado dizer que a culpa é dos governos, dos ministros e das leis e do sistema. É escusado. É que nas últimas décadas foram centenas as manifestações, as greves e os protestos. E centenas as negociações e as cedências. Fizeram alguma coisa por causa dos manuais escolares? Ou ajudaram a encher os bolsos das editoras? Fizeram algum por causa dos programas estapafúrdios? Da falta de condições de algumas escolas? Da qualidade da comida? Fizeram o que quiseram. E o resultado está à vista. Temos mais professores contratados turma que a média da união europeia, mais investimento em percentagem do PIB que a média da OCDE e é mais caro manter um aluno na escola pública que numa escola privada. Para que o sindicato tenha quotas o ensino público tornou-se numa espécie de central de empregos onde toda a gente entra. Mesmo aqueles que não têm vocação. E ponto é este mesmo. Ser professor não é uma profissão. É uma vocação. Mas vocês conseguiram. Conseguiram transformar a vocação em funcionalismo. Funcionalismo com salários e privilégios acima da média da função pública. E ainda assim passam a vida a queixar-se.

Todos os dias milhares de pais confiam-vos os filhos. Todos os dias milhares de portugueses confiam-vos o dinheiro do trabalho. E como é que nos retribuem? Com uma briosa e profissional greve ou mais uma marcha de marretas pela avenida da liberdade.

No caso em concreto devo dizer que a luta é legitima. Mais do que legitima. Só um ignorante diria o contrário. E é óbvio que o Estado vos falhou. Faltou ao compromisso. Como falta comigo cada vez que me aumenta os impostos ou inventa uma taxa nova para pagar. E ninguém faz greve por causa disso.

Tenho imensa pena de ser uma das poucas pessoas que diz e escreve estas coisas que deviam ser óbvias. Toda a gente tem medo da corporação. Medo. Não respeito. Vocês são muitos. E organizados. Muitos votos. Mas como eu não vou a eleições estou-me nas tintas. Como contribuinte tenho o direito de exigir mais. Como cidadão tenho esse dever.

E é claro que estou a generalizar. E é claro que há exceções. E é claro que há escolas públicas que trabalham bem e professores que têm mesmo vocação. Mas o problema é esse mesmo. É serem exceções.

Um abraço,

RMD

PS: Agradeço penhoradamente as generosas promessas de umas galhetas. Lembro, porém, que antes de vós ainda há estivadores, antigos alunos do colégio militar, meninas de Odivelas e funcionários das finanças. Isto para além de uma rapaziada dispersa que simplesmente embirra com sociais marialvas de barba.


lavagem de mãos e outras medidas profiláticas

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De Jorge Marques de Tocqueville a 19.11.2017 às 23:31

A sacralização da profissão de professor, peditório para o qual o R.M.D. também dá, é o actualmente o eixo de todo o embuste montado à volta da meia profissão que é. Digo meia profissão na dúvida, porque se existem os professores como classe profissional a realidade diz-nos que essa é bem distinta entre os que leccionam no público e os outros, e dos primeiros entre os que são do ensino superior e os outros, e destes segundos entre os que têm carreira e os outros, e dos primeiros destroutros últimos se poderá dizer que tiveram as progressões automáticas congeladas. Ou nem tanto porque a bem dizer se propala que não são automáticas porque têm que ser mais que suficientes na qualidade (porque em número seria um outra dissertação) para progredir e isto não é o mesmo, dizem, que progredir automaticamente porque se é pelo menos bom. E quantos são os bons senão a grande parte daqueles mesmos que comem os recursos de um país por conta da iniquidade corporativa e de um establishment que os endeusa como a profissão mais difícil, exigente e outras patranhas mais.
Se é injusto não permitir o resgate de direitos adquiridos é no mínimo igualmente injusto persistir no direito à premiação por serem mais que suficientes a cumprir o seu dever (E não são!) e com isso esbulharem todo um país. Não são questões diferentes e na mesma medida que se deve discutir a recuperação das progressões na carreira de nove anos, quatro meses e dois dias deve ser repensada esta fraude de permitir uma pirâmide invertida na categorização profissional, mas essa discussão já não é de justiça oportuna, claro.

Falar em nove anos, quatro meses e dois dias é dar expressão em detalhe ao proxenetismo que é ser servidor público, que tem por conta políticos demagogos e sem escrúpulos.

Sobram os prostitutos sem rédea que a cada aparente folga orçamental cumulam os mesmos com o mesmo até chegarmos novamente ao descalabro que em primeiro lugar aqui nos trouxe: a sumptuosidade assimétrica de classes profissionais sob a asa do estado e sob a pata de sindicatos unitários. E que se lixe o país! Mais uma vez...

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